Implementando a Mudança: como vencer as suas imunidades, as de sua equipe e as de sua empresa, alcançando resultados extraordinários.
Agora que você já entendeu porque é tão difícil fazer mudanças (especialmente as mais necessárias) em si próprio, na sua equipe e na sua organização (se não entendeu, recomendo que leia o primeiro artigo desta trilogia) e conseguiu identificar o seu “desafio perfeito” e mapear suas imunidades à mudança (se ainda não sabe o que é um “desafio perfeito” e não conhece o mapa de imunidades e sua utilização em processos de mudança, leia o segundo artigo desta trilogia), você está pronto para virar o jogo e, finalmente, começar a implementar aquela mudança tão desejada. Vamos iniciar apresentando a implementação de uma mudança de comportamento individual para depois repassarmos o mesmo processo com uma equipe ou organização. Em ambos os casos, a implementação da mudança pode ser dividida em três etapas distintas: i) preparação; ii) execução; e iii) consolidação.
Estas três etapas representam a essência do processo de mudança integral, como pode ser visto na Figura 1 abaixo. Antes de passar pela etapa da “preparação”, você, sua equipe ou empresa se encontram em um “estágio” que Kegan e Lahey (2019) denomina “Inconscientemente Imune”. Na verdade, o simples fato de termos feito uma versão preliminar do Mapeamento de Imunidades já foi o suficiente para “jogarmos luz” na nossa imunidade à mudança no que se refere ao nosso “Desafio Perfeito”. Ou seja, já não estamos mais totalmente inconscientes de nossa imunidade e estamos, ao menos parcialmente, conscientemente imunes. Mas o objetivo da etapa de preparação é garantir que, ao final dela, estejamos totalmente conscientes de nossa imunidade à mudança. Ela termina apenas quando formos capazes de “enxergar” de forma objetiva a nossa imunidade à mudança e os valores e compromissos ocultos por meio dos quais enxergávamos subjetivamente o mundo e o nosso tópico específico de mudança até agora. Ao tornarmos objetivo o que antes era subjetivo, seremos capazes de incluir e transcender o comportamento anterior, em um processo saudável de crescimento. Então terá início a etapa de “execução”, cujo objetivo é fazer com que você ou sua equipe implantem o novo comportamento de forma consciente. Ao final dela você terá tido sucesso no seu “Desafio Perfeito” e estará “conscientemente liberto”, porém, ainda estará sujeito a “recaídas”. Dessa forma, o objetivo da etapa de consolidação é justamente tornar o novo comportamento e os valores e pressupostos que vêm junto com ele a abordagem “default” sua ou da sua equipe para lidar com o tópico em questão, criando novas “lentes” para “enxergar” a situação. Então, ao final desta etapa, você ou sua equipe estarão “inconscientemente libertos”, sendo capazes de produzir os resultados associados ao novo comportamento de forma consistente e à prova de recaídas.
Figura 1: As etapas de implementação do “Desafio Perfeito” e a evolução das imunidades à mudança. Fonte: O autor, baseado em Kegan & Lahey (2019).
Preparando a Mudança Individual: tornando-se conscientemente imune
Sempre que nos referimos a mudanças que desejamos muito ver acontecer, nossa tendência inicial é tentarmos executá-la o mais rápido possível, ou seja, partirmos logo para a ação, principalmente depois de todo o trabalho de planejamento visto no segundo artigo desta trilogia. Entretanto, fazer isso é o erro mais comum que se comete em processos de mudanças que envolvem aprendizados adaptativos. De fato, se olharmos em retrospectiva, isso foi exatamente o que fizemos todas ou quase todas as vezes em que buscamos implementar o nosso objetivo da coluna 1, antes dele ter se tornado um “desafio perfeito” para nós! Portanto, o melhor a fazer nesse momento é entender melhor a mudança que queremos realizar, não apenas com o intelecto, mas com nossa mente, nosso corpo, nosso coração e nossos “guts”! Nosso objetivo na etapa de preparação é tornar a nossa imunidade à mudança totalmente consciente, transformando-a em um objeto da nossa cognição. É necessário fazer um ajuste fino do seu mapa de imunidade, com o objetivo de deixá-lo o mais preciso e “poderoso” possível. Entretanto, este ajuste não pode ser um ajuste “racional” ou “técnico”. Ele precisa se basear em experiências que envolvam aspectos socioemocionais, além dos cognitivos. Para isso, você terá de conduzir alguns experimentos práticos, ou seja, da “vida real”, estando aberto a percebê-los não apenas com sua mente, mas com todo o seu ser, principalmente suas emoções! Quatro ações são fundamentais neste processo: i) Rever seu objetivo de mudança tornando-o mensurável, definindo um indicador de desempenho para monitorá-lo e realizando a medida do seu desempenho atual (inicial) nesse objetivo junto aos interessados; ii) Identificar com um apoio de um coach, mentor, colega ou um dos interessados, quais os seus principais gaps nas diferentes linhas de desenvolvimento (para efeito de simplificação, vamos considerar aqui as linhas cognitiva, emocional e interpessoal) no que tange ao tópico a ser trabalhado, definindo as 3 principais competências (e os 3 ciclos de desenvolvimento equivalentes) a serem desenvolvidas para o alcance do objetivo; iii) Revisar e “refinar” os grandes pressupostos iniciais, os formulando de maneira que possam ser testados; iv) Praticar a auto-observação do seu jeito atual de ser (CWB), com o objetivo de torna-lo tangível para si. Ao final da etapa de preparação, espera-se que você deixe o estado de “inconscientemente imune” em relação à mudança desejada, no qual se encontrava ao decidir “encarar” o seu Desafio Perfeito, e alcance um novo status, o de “conscientemente imune” em relação à mudança desejada, tendo priorizado os aspectos mais essenciais, nos quais irá colocar o seu foco nos próximos meses.
Retomar o seu grande objetivo de mudança da coluna 1 do seu mapa de imunidade junto às partes interessadas (seu líder, seus liderados, pares, familiares etc.) é a primeira parte fundamental da etapa de preparação. A ideia aqui é confirmar a importância do objetivo, focar nos seus aspectos mais fundamentais e entender qual o seu nível de desempenho atual nele, ou seja, o quão ele está distante de ser alcançado. Para ficar mais claro o nosso processo de subversão de imunidades, vamos retomar o caso da Andrea, disponível no segundo artigo desta trilogia.
O objetivo de Andrea era “conseguir delegar de forma efetiva”, o que incluía uma série de comportamentos que ela precisava desempenhar: i) fazer solicitações impecáveis (O que eu realmente preciso? Para quando? Como quero a entrega?) ii) aceitar formas diferentes de pensar e de realizar as atividades demandadas; iii) fazer follow-ups periódicos e dar apoio; iv) dar feedbacks impecáveis (O que está OK? O que precisa ser melhorado? Por quê? Elogiar impecavelmente. Reclamar impecavelmente.). Novamente, com a ajuda de Ricardo como mentor, Andrea definiu um score que variava de 0 a 10 em cada atividade que ela precisasse delegar. Eles também decidiram simplificar e reduzir a lista de comportamentos a serem implementados, focando naqueles que seriam mais importantes. Desta forma, o segundo comportamento da lista acabou sendo incorporado ao primeiro, com o foco da “entrega” passando a ser algo tangível e mensurável, dando menos importância a maneira como a atividade tivesse sido realizada. Andréa e Ricardo também concordaram que o terceiro comportamento da lista poderia ser incorporado ao quarto, ou seja, um feedback excelente deveria incluir os follow-ups periódicos (não esperar até a entrega para o feedback) e a oferta de apoio. Assim, a qualidade da delegação de Andrea seria medida por 5 pontos relacionados a forma como ela fez a solicitação e 5 pontos relacionados a forma como ela deu feedback. Dos 5 pontos relacionados à solicitação, 1 ponto dizia respeito a ela ter feito a solicitação, ou seja, a especificação do que era necessário, 2 pontos seriam relacionados à definição do prazo e 2 pontos relacionados à definição da forma da entrega, incluindo a medida de desempenho pela qual Andrea avaliaria a mesma. Dos 5 pontos relacionados ao feedback, 1 ponto seria relacionado ao fato de ela ter ou não se manifestado quanto a qualidade da entrega, 2 pontos relacionados a frequência do feedback/follow-up e apoio e 2 pontos relacionados a qualidade do elogio/reclamação com foco no aprendizado. Logicamente, a ideia era que, se ela acabasse realizando a atividade sem delegá-la, o score seria 0. Além disso, ela também teria de avaliar quantas demandas por dia, em média, seriam passíveis de delegação. Avaliando em retrospectiva ela concluiu que este número se encontrava entre 3 e 5, mas decidiu que o que contaria para ela seria a média, sempre lembrando que a cada oportunidade perdida (ou cada trabalho que ela resolvesse fazer sozinha) ela somaria uma nota zero às demais notas, baixando sua média.
De posse de seu “Desafio Perfeito” ajustado, com uma versão “remodelada” de sua coluna 1, e sua métrica qualitativa para avaliar o seu desempenho em seu objetivo de mudança, Andrea partiu para a pesquisa com sua equipe, seus pares e seu líder, buscando entender qual seria o nível de desempenho em sua recém-criada métrica. Neste ponto, é fundamental estar aberto para escutar de forma ativa aquilo que lhe é dito com relação ao tópico, envolvendo sua mente e seu coração. É provável que sua mente divague tentando rebater a argumentação dos outros ou mesmo que você os interrompa para contra-argumentar. Neste momento é importante trazer sua mente de volta para a escuta ativa e não reagir. Aproveite e questione como os outros se sentem diante do seu desempenho atual no tópico em questão. Seu objetivo é ter certeza de ter um objetivo que atenda aos requisitos de um “desafio perfeito” e saber onde você se encontra em termos de desempenho nele, ou seja, qual o tamanho da lacuna a ser preenchida pela mudança que você quer implementar.
Andrea se autoavaliou com uma pontuação média de 2,5, considerando que de cada quatro oportunidades de delegação ela aproveitava apenas duas (em duas delas ela decidia fazer o trabalho) e marcaria apenas metade dos pontos possíveis em cada uma delas, ou seja, teria uma performance nota 5 nas vezes em que conseguia delegar. Na pesquisa com sua equipe, ela obteve a mesma nota. Mas seu líder considerava que seu desempenho seria pior, com ela delegando apenas 1 em cada 4 oportunidades e “marcando” apenas um terço dos pontos. Ele argumentou com ela que os membros de sua equipe podem ter ficado constrangidos de apontar um score mais baixo! Então, conversando com Ricardo, ambos chagaram a conclusão de que sua pontuação inicial em seu objetivo era de apenas 2 pontos. Andrea retomou a conversa com seu diretor e sua equipe para entender qual deveria ser a meta a ser alcançada por ela na mesma escala. Deste processo ela percebeu que se atingisse um score de 5 ela já poderia ser considerada uma “delegadora”. Com um score de 6 era seria uma “boa delegadora”. E com score de 7 uma “ótima delegadora”. De 8 para cima ela alcançaria a excelência na arte de delegar.
Então, com a ajuda de Ricardo, ela definiu metas para diferentes horizontes de tempo: após 45 dias de trabalho poderia se tornar uma “delegadora”, com média 5. Ao final do primeiro trimestre de trabalho ela perseguiria um score de 6. E por fim, depois de em semestre inteiro de esforço ela esperava alcançar o score de 7 e ser considerada uma “ótima delegadora”. Neste momento, Andrea entendeu que ser capaz de fazer solicitações impecáveis seria realmente o seu grande desafio para se tornar uma “boa delegadora” e que este deveria ser o foco inicial do trabalho dela. Assim, da definição inicial de Andrea dos quatro comportamentos e ações que deveriam ser implementados para que ela delegasse de forma efetiva (fazer solicitações impecáveis; aceitar formas diferentes de pensar e de realizar as atividades demandadas; fazer follow-ups periódicos e dar apoio; dar feedbacks impecáveis) ela iria priorizar apenas o primeiro, ou seja, fazer solicitações impecáveis! Este “afunilamento” do objetivo é fundamental para que se consiga mudanças realmente significativas em nosso comportamento. É o princípio de Pareto em ação, nos lembrando que 20% das causas são responsáveis por 80% dos efeitos. Todo processo de autodesenvolvimento (mudança em nós mesmos) é difícil e trabalhoso, envolvendo simultaneamente várias dimensões do nosso ser, e para se ter sucesso é preciso lembrar que “menos é mais”. Ou seja, quanto mais conseguirmos “estreitar” o escopo do trabalho, ou seja, quanto mais focarmos nas mudanças essenciais para alcançar os resultados que desejamos e menos mudanças nos propormos a fazer de uma só vez, maiores as nossas chances de sucesso. Isso não quer dizer que Andrea deve enfatizar apenas “fazer solicitações impecáveis” e esquecer de “dar feedbacks impecáveis”. Afinal de contas, para ela se tornar uma ótima “delegadora” (e para no futuro alcançar a maestria na arte de delegar) ela irá precisar trabalhar também os feedbacks! Mas é preciso entender que, em mudança de comportamento, é muito mais factível e motivante se concentrar em fazer solicitações impecáveis e se tornar muito bom nisso em três meses, tendo uma vitória a ser celebrada, do que tentar trabalhar as solicitações e o feedback simultaneamente e ao final de três meses não ter praticamente nada para comemorar. Neste caso, o ideal seria que Andrea retomasse a questão dos feedbacks depois dos três meses de trabalho com as solicitações.
Finalizada a primeira etapa da preparação, Andrea agendou uma nova conversa com Ricardo para entender quais competências ela teria de trabalhar para conseguir fazer solicitações impecáveis. Esta etapa do processo é importante para definir como o líder em processo de desenvolvimento vai praticar a mudança pretendida. Quando o processo de mudança está sendo formalmente acompanhado por um um mentor, as atividades a serem praticadas são atribuídas ao líder (em geral a cada 2 semanas), respeitando uma sequência lógica onde as competências mais essenciais são desenvolvidas antes das demais e são definidas levando em conta o nível de habilidade possuído pelo líder e sua lacuna em relação ao necessário para implementar a mudança no início do trabalho. Mesmo que você decida conduzir todo o processo sem a ajuda formal de um mentor, é importante contar com alguma forma de mentoria nessa etapa, pois dificilmente seremos capazes de nos avaliar de maneira isenta em relação algo que queremos mudar. É importante ressaltar que as práticas a serem desenvolvidas deverão se seguir ao teste dos grandes pressupostos (como veremos mais a frente) e enfatizar o novo comportamento desejado, ou seja, o ato de fazer solicitações (no caso de Andrea). Entretanto, dependendo das lacunas nas diversas competências envolvidas no tópico, a prática de fazer solicitações poderá ser acompanhada por outras práticas focadas em desenvolver a “musculatura” especifica a ser trabalhada durante a prática principal. Além disso, minha prática com a mentoria de executivos tem mostrado que a grande maioria deles, com seu nível de consciência gravitando entre Expert, Racional-Moderno (Achiever) e Pluralista-Pós-Moderno (Individualist–Pluralist), apresenta grande dificuldade em perceber, aceitar e ser informado por suas emoções, o que faz com que o primeiro ciclo de desenvolvimento tenha que, na grande maioria das vezes, envolver diretamente competências ligadas à inteligência emocional.
Sendo assim, Andrea e Ricardo chegaram à conclusão de que os aspectos relacionados às linhas de desenvolvimento emocional e interpessoal seriam aqueles que mais precisavam ser trabalhados no que se referia ao tópico em questão. Ou seja, suas competências nestas linhas de desenvolvimento em relação ao tópico em questão foram avaliadas como “baixas”, ao contrário da linha de desenvolvimento cognitiva, na qual Andrea teria um nível de competências médio-alto com relação à questão. Para chegar a essa conclusão, entre outros questionamentos, Ricardo havia perguntado à Andrea como ela se sentia quando tinha de fazer solicitações aos membros de sua equipe. Ela prontamente respondeu que achava que eles iriam duvidar da sua competência, questionar a importância da demanda e vários outros elementos que se encontravam nas duas primeiras colunas do seu Mapa de Imunidade. Foi então que Ricardo percebeu que Andrea estava reproduzindo pensamentos e opiniões suas, e não emoções ou sentimentos, o que ele confirmou logo em seguida ao aprofundar os questionamentos nesse sentido. Ou seja, Andrea tinha grande dificuldade em perceber suas emoções e ser informada por elas, algo crucial quando se pretende melhorar o processo de delegação. Certamente, os seus sentimentos reprimidos em relação ao ato de delegar estavam entre as principais barreiras que a impediam de fazê-lo. Principalmente porque as suas emoções pareciam ser potencializadas pelas condições e emoções dos seus liderados. Em seguida, ela também teria habilidades de comunicação interpessoal a serem trabalhadas, mas a percepção de Ricardo era de que as emoções que surgiam quando Andrea pensava em ter de delegar uma atividade acabavam impedindo que as suas competências de comunicação se fizessem plenamente presentes durante o ato. Assim, Ricardo definiu com Andrea os seus 3 ciclos de desenvolvimento (Cycles of Development – CODs) a serem implementados após a prática de auto-observação (Self-Observation Practice – SOE): i) COD-1: Ser mais capaz de perceber suas emoções, compartilhá-las com sua equipe e ser informada por elas; ii) COD-2: Ser mais capaz de questionar e perceber a emoção dos seus liderados e entender como elas afetam o potencial deles em agir; iii) COD-3: Ser mais capaz de fazer solicitações impecáveis aos seus liderados. Percebam que apenas ao final do último ciclo Andrea estaria praticando de forma “full” o comportamento que ela pretende desenvolver. Nos dois passos anteriores ela deveria focar diariamente nas suas emoções durante o ato de fazer solicitações, mas também em uma prática diária de “body scan” logo depois de acordar (COD-1) e numa prática diária de “emotion inquiry” com seus liderados, independentemente de fazer ou não solicitações (COD-2).
A esta altura, Andrea já havia refinado o seu objetivo de mudança, focando na parte mais essencial do seu “Desafio Perfeito” e definido os seus três ciclos de desenvolvimento de competências. Agora, ela precisava retomar os seus grandes pressupostos de forma a reescrevê-los de forma que possam ser testados. Retomando o segundo artigo desta trilogia, podemos verificar que a quarta coluna do mapa da imunidade de Andrea continha os seguintes grandes pressupostos: i) “Não posso arriscar gerar resultados indesejados para a empresa – sei que tive um bom dia no trabalho quando eu intervenho em todas as principais demandas do departamento e tenho controle sobre o que “produzimos” para o restante da empresa”; e ii) O trabalho gerencial é menos qualificado que o trabalho técnico – sei que tive um bom dia de trabalho quando pude contribuir tecnicamente para a solução dos problemas sem ter de me desgastar com conversas difíceis com minha equipe. Percebe-se que os pressupostos de Andrea envolviam duas dimensões distintas. A primeira dizia respeito à necessidade de ela intervir em todas as demandas do departamento para garantir que os resultados fossem satisfatórios, uma questão mais “técnica”. A segunda dizia respeito à forma como ela “enxergava” o trabalho gerencial. Ou seja, ela achava que se sentiria mal, subaproveitada, se tivesse que gastar a maior parte do seu tempo fazendo solicitações e dando feedback, uma vez que o trabalho técnico fazia muito mais jus ao conhecimento e formação que possuía. Assim, com o auxílio de Ricardo e do seu diretor, ela fundiu os seus dois pressupostos iniciais em um único grande pressuposto testável: “Se eu fizer solicitações à minha equipe, delegando as principais demandas do meu departamento, os nossos resultados em termos de qualidade, prazo e custo das entregas ficarão prejudicados e eu me sentirei triste e frustrada por não estar utilizando minhas maiores competências”. Percebam que a nova formulação do grande pressuposto de Andrea é totalmente testável. Para isso ela teria de ir contra o mesmo, delegando as principais atividades do seu departamento e monitorar duas dimensões bem distintas: i) Os resultados tangíveis produzidos pela sua equipe; ii) Seus pensamentos e emoções. Isso significa que, caso os resultados do seu departamento não piorem e ela não se sinta triste e frustrada por investir seu tempo fazendo solicitações impecáveis aos membros de sua equipe, seus grandes pressupostos terão sido objetivamente negados ou seja, serão considerados não válidos!
Por fim, a fase de preparação deve terminar com a prática de auto-observação (SOE), um passo fundamental para a “objetivação” do seu jeito atual de ser (CWB) em relação ao seu tópico. Ela deverá preceder o teste do grande pressuposto (que foi reformulado) e o início do primeiro ciclo de desenvolvimento, ambos parte da etapa de Execução. É importante ter em mente que a SOE poderá trazer importantes insights em relação ao “Desafio Perfeito” do líder e, eventualmente, indicar a necessidade de ajustes no Mapa da Imunidade, especialmente nas colunas 3 (“compromissos ocultos que se opõem a mudança” – “Jeito de Enxergar” do seu CWB) e 4 (“grandes pressupostos” – “Jeito de Confirmar se está tudo bem” do seu CWB). O ideal é que a prática da SOE dure entre uma e duas semanas e é fundamental que o líder faça um journaling diário da sua prática, bem como uma reflexão mais detalhada ao final de cada semana. Durante a prática da SOE, o líder não deve testar o seu grande pressuposto ou tentar implementar o novo comportamento desejado. Ele deve agir da forma que sempre agiu em relação à questão (e que caracteriza o seu jeito atual de ser antes do “Desafio Perfeito”, seu CWB – Current Way of Being), porém com uma diferença fundamental: uma parte de si deve estar atuando de acordo com o seu CWB e a outra deve estar observando o que acontece, especialmente em sua dimensão subjetiva interior. Essa “divisão” pode parecer uma pouco difícil de ser alcançada no início, mas ela é superimportante para garantir que o CWB se torne tangível, condição absolutamente necessária para que a mudança ocorra de forma saudável e sustentável. Nesse ponto, Ricardo passou algumas perguntas que Andrea deveria responder todo final de dia em seu diário. Estas perguntas enfatizavam o que acontecia antes do CWB de Andrea ser ativado (com quem ela estava, o que aconteceu, etc..), o que ela sentira durante o processo de ativação e a ação de trazer para si uma atividade que poderia ser delegada e, por fim, que pensamentos ela tinha naqueles momentos, tentando explorá-los como “vozes interiores” (o seu CWB dialogando consigo). No caso da Andrea, a prática da SOE foi fundamental para que ela percebesse de forma clara “com todo o seu ser” as razões pelas quais ela ainda não tinha conseguido mudar e se tornado uma “delegadora” efetiva até então. Ela confirmou os conteúdos da terceira e da quarta colunas do seu mapa de imunidade e entendeu claramente o que o seu CWB lhe permitiu fazer até aquele momento. Honrar o seu CWB é fundamental para transcendê-lo e incluí-lo de forma saudável. Sem dúvida, não delegar foi crucial para ela ter chegado aonde chegou, se tornando uma Gerente Técnica bem-sucedida. Ao mesmo tempo, ficou muito claro para ela que a Andrea “não-delegadora” jamais conseguiria ser uma Gerente Geral efetiva em sua unidade de negócios! Àquela altura, Andrea estava consciente de tudo o que o seu CWB (a Andrea “não-delegadora”) lhe permitia ser e tudo o que ele a impedia de ser. Aquela forma de agir na qual ela esteve subjetivamente imersa ao longo dos últimos anos agora aparecia para ela como um filme ou uma série de fotos, objetivamente visíveis e tangíveis! Andrea estava “conscientemente imune” à mudança desejada!
Executando a Mudança Individual: tornando-se conscientemente liberto
A etapa de execução deve começar com a aplicação do teste do seu pressuposto. Nesse ponto, é importantíssimo lembrar que nosso objetivo ainda não é efetivamente mudar o nosso comportamento. Desejamos apenas saber o que acontece se agimos contra o conjunto mais amplo de crenças que regem nosso jeito atual de ser (CWB), ou seja, se formos contra o nosso “jeito atual de confirmar se está tudo bem”. Para isso, Andrea decidiu aguardar que o departamento comercial enviasse uma nova ordem de serviço envolvendo um grande cliente e uma receita significativa. Em menos de dois dias entrava uma demanda que atendia a estes critérios e que, normalmente, Andrea hesitaria em delegar totalmente para a sua equipe. Nestes casos ela costumava “fracionar” o projeto, fazendo ela própria a especificação geral e delegando as partes menos cruciais dos componentes mais específicos para a sua equipe, mantendo a especificação do componente “mais nobre” do projeto com ela própria. Mas desta vez seria diferente. Andrea foi em frente e decidiu testar o seu pressuposto: convocou os 3 membros que considerava mais qualificados de sua equipe para uma reunião e delegou totalmente o projeto para eles. O prazo prometido pela área comercial ao cliente era de 5 dias.
Retomando a versão testável do grande pressuposto de Andrea (“Se eu fizer solicitações à minha equipe, delegando as principais demandas do meu departamento, os nossos resultados em termos de qualidade, prazo e custo das entregas ficarão prejudicados e eu me sentirei triste e frustrada por não estar utilizando minhas maiores competências”) poderemos verificar o que aconteceu na sequência. Ao longo dos 5 dias até a entrega do projeto, Andrea percebeu que não se sentiu nem um pouco frustrada por não utilizar suas competências técnicas. Por dois motivos. Primeiro porque em pelo menos 3 momentos a equipe de projetos teve dúvidas de cunho técnico e pediu a ajuda de Andrea. Segundo porque a sensação de estar permitindo que seus liderados assumissem um desafio maior do que estavam habituados e se sentissem motivados com isso fez Andrea sentir uma “alegria interior” muito grande. Ela percebeu que, mais do que ajudar apenas “tecnicamente”, teve de incentivá-los a buscar informações novas e enfrentar as dificuldades que surgiam como desafios. E ela adorou fazer isso. Por fim, ao final dos 5 dias ela verificou que o fato de ter delegado o projeto não provocou atrasos na entrega, problemas de qualidade ou aumento nos custos, embora ela tenha intervindo várias vezes para garantir que isso não ocorresse. Mas ao contrário do que ela imaginava, estas intervenções não a deixaram cansada ou se sentindo subutilizada. Ou seja, ambos aspectos do grande pressuposto de Andrea que estavam sendo testados foram negados. Mas nem sempre as coisas irão correr desta forma.
Para garantir que os testes dos seus grandes pressupostos sejam efetivos, é preciso estar atento às seguintes questões:
· O que você fez? Suas ações realmente testaram o pressuposto? Foram “isentas” nesse sentido?
· O que aconteceu? O que as pessoas disseram ou fizeram quando você fez o teste? Se você pediu feedback a alguém, o que essa pessoa lhe disse? O que você sentiu?
· Qual a qualidade dos dados coletados? Os dados relativos às respostas de outras pessoas à sua ação são objetivos e diretamente observáveis ou você “deu uma forçada” na interpretação? Houve alguma circunstância incomum no teste? Algo que saiu bem diferente do que você imaginava?
Andrea estava ciente da necessidade de observar os três pontos acima. Ela sabia que o fato de ter compartilhado com seu diretor e parte de sua equipe que estaria fazendo o teste do seu grande pressuposto poderia fazer com que alguma coisa caminhasse de forma não “tão natural”. Mas ela também começava a perceber que o simples fato de “jogar a luz da consciência” sobre estas questões parecia fazer com que tudo corresse da melhor forma possível.
De posse dos dados coletados como resposta ao teste, é fundamental buscar interpretações alternativas além da sua, pois sabemos que estamos lidando com algo intimamente ligado à nossa visão de mundo e, consequentemente, às “lentes” por meio das quais enxergamos a realidade. Um “antídoto” natural para esta tendência é gerar pelo menos uma interpretação alternativa à nossa inicial. No caso da Andrea, ela fez questão de compartilhar estes dados com seu Diretor e sua equipe, bem como com Ricardo. Uma das questões que emergiram dizia respeito ao fato de Andrea ter podido dar atenção especial às questões trazidas pela equipe durante o projeto, fazendo follow-up e dando apoio em geral devido ao fato daquele ser o único grande projeto totalmente delegado com o qual teve de lidar durante a semana. Ricardo questionou se a partir do momento em que delegar projetos importantes passasse a ser o novo jeito de ser de Andrea, ela ainda conseguiria dar o mesmo nível de atenção que havia dado nesse caso. Foi então que Andrea percebeu que, de fato ela conseguiria fazer o mesmo que fizera com até mais dois projetos do mesmo porte simultaneamente, uma vez que se estivesse agindo de acordo com o seu jeito de ser “não-delegadora” ela teria gastado pelo menos 16 horas da semana com as questões técnicas de um único projeto.
Ainda no que se refere à interpretação dos resultados do teste de pressupostos, é fundamental não buscar uma interpretação do tipo “certo ou errado” ou “0 ou 1”. É possível que os dados neguem uma parte do seu grande pressuposto e confirmem outra parte. E isso pode dar origem a um novo entendimento da situação, ou seja, a um novo pressuposto, que deve ser testado em seguida. Fundamental é fazer quantos testes forem necessários até chegar a uma compreensão clara de que as “forças ocultas” que o impediram de mudar até este momento não deverão estar mais ativas daqui para frente. Negar um grande pressuposto significa abrir as portas para um comportamento oposto ao seu CWB, ou seja, viabilizar a implementação do seu “Desafio Perfeito”!
Após a conclusão do seu primeiro teste de grande pressuposto (seja ele “definitivo” ou não), será possível iniciar o primeiro ciclo de desenvolvimento (COD-1), que normalmente deve durar entre uma e duas semanas. No caso da Andréa, o seu COD-1 dizia respeito ao desenvolvimento da seguinte competência: “Ser mais capaz de perceber suas emoções, compartilhá-las com sua equipe e ser informada por elas.” Para que Andrea pudesse desenvolver estas competências, Ricardo recomendou as seguintes práticas durante duas semanas:
I. Realizar por 10 minutos toda as manhãs uma prática de body-scan, com o objetivo de identificar sensações físicas em seu corpo e emoções ligadas a elas, tomando nota do que sente e percebe;
II. Durante o dia de trabalho, fazer pelo menos uma solicitação a um ou mais membros de sua equipe (podendo ser a delegação de um projeto, de preferência não tão complexo e importante, ou não), prestando atenção às emoções que sente durante o processo, compartilhando suas preocupações e emoções com os membros da sua equipe;
III. Ao final do dia, registrar o que sentiu e percebeu em relação às atividades feitas, registrando também o que a “Andrea não-delegadora” teria a dizer sobre o que ocorreu;
IV. Ao final de cada semana parar por 15-20 minutos para refletir sobre os padrões que você consegue identificar nas respostas do item anterior, além de refletir sobre as mudanças que conseguiu perceber em relação a uma maior presença do seu novo jeito de ser (NWB, no caso da Andrea, a “delegadora”) no lugar do seu jeito atual de ser (CWB, no caso da Andrea, a “não-delegadora”).
Além do Teste inicial do grande pressuposto e das atividades referentes ao primeiro ciclo de desenvolvimento (COD-1), a etapa de Execução deverá compreender a implementação dos demais ciclos de desenvolvimento (CODs) e a eventual execução de novos testes de pressupostos, caso estes sejam necessários. É importante que a implementação do novo comportamento desejado seja feita por meio dos CODs de forma progressiva, ou seja, começando com pequenos passos no COD-1 (que podem ser apenas parte do comportamento final desejado ou então o comportamento completo em uma situação mais simples e/ou controlada) para alcançar a totalidade do novo comportamento (incluindo situações de maior complexidade e/ou risco) no COD-3. Ao mesmo, é fundamental trabalhar as linhas de desenvolvimento que apresentam lacunas de forma específica ao longo dos CODs. No caso da Andrea ela precisava desenvolver sua “musculatura” emocional para lidar com a delegação, tanto no que tange às suas próprias emoções quanto às emoções dos seus liderados. Para isso, Ricardo incluiu práticas como o body-scan no COD-1 e o questionamento das emoções dos seus liderados no COD-2. Temos de lembrar que se estamos diante de um “Desafio Perfeito” é porque ele envolve não só aspectos cognitivos, mas também emocionais e interpessoais, como toda mudança adaptativa. E, para trabalhar estas dimensões será necessário, na grande maioria das vezes, práticas específicas. A esta altura, ao completar 5 semanas de práticas na etapa de Execução, Andrea sentia que era perfeitamente capaz de fazer solicitações impecáveis à sua equipe e aceitar formas diferentes de enfrentar os desafios apresentados nos projetos. Além disso, ela percebia que também tinha evoluído de forma significativa nos feedbacks e follow-ups, mesmo sem ter trabalhado diretamente sobre eles. Menos de dois meses após o início do processo, Andrea estava “conscientemente liberta” de suas imunidades!
Consolidando a Mudança Individual: tornando-se inconscientemente liberto
A etapa de consolidação tem como objetivo transformar o seu novo comportamento em relação ao seu “Desafio Perfeito” (NWB) em default, ou seja, sempre que a situação em questão se colocar diante de si, você não mais precisará estar super consciente para evitar agir de acordo com o seu (agora) jeito anterior de ser (que ainda chamaremos de CWB). No nosso exemplo explicativo, Andrea já consegue agir como uma “delegadora” efetiva (seu NWB) na grande maioria das vezes. Entretanto, uma vez ou outra, em situações em que não está prestando muita atenção, justamente por não ver aquele momento como sendo de crucial importância, ela acaba se percebendo agindo de acordo com o seu CWB. O objetivo da etapa de Consolidação é evitar que estes momentos se tornem mais frequentes com o tempo e acabem “crescendo” em relação aos demais momentos em que Andrea está atenta prestando atenção, fazendo com que ela tenha uma “recaída” e retome os comportamentos anteriores. É fazer com que o NWB de Andrea se internalize e se automatize como a sua abordagem para a grande maioria das situações que ela vivenciar no seu dia a dia, tornando-se o seu centro de gravidade. Para isso, precisamos retomar o conceito de níveis de consciência com os quais trabalhamos nos dois artigos anteriores desta trilogia.
No segundo artigo desta trilogia, vimos que o CWB de Andrea em relação à delegar e dar feedback estava ligado ao nível de consciência AZUL-laranja ou azul-LARANJA, também denominado “Expert”. As crenças e os grandes pressupostos de Andrea ligados ao seu “Desafio Perfeito”, característicos do mindset Expert, manifestavam-se na forma como ela “lia” as situações do seu dia a dia de trabalho e processava os inputs que recebia. Ao testar os seus grandes pressupostos e começar a praticar as atividades relativas aos seus ciclos de desenvolvimento (CODs), Andrea “foi apresentada” a uma nova forma de “ler” e processar inputs do ambiente. Ainda na etapa de preparação, durante a prática do SOE, do “enxugamento” do seu Desafio Perfeito e revisão dos seus grandes pressupostos, ela teve alguns vislumbres de que era possível lidar de forma totalmente distinta com a questão, a ponto de conseguir objetivar o seu jeito anterior de lidar com ela (CWB). A partir do primeiro teste do seu grande pressuposto, Andrea começou a ter importantes insights, que foram se consolidando ao longo dos CODs. Em algum momento em meio aos CODs, Andrea passou a operar a partir de um novo mindset quando colocada diante da necessidade de fazer solicitações impecáveis e delegar as atividades para a sua equipe. Sua mente já não “lia” e processava a realidade a partir dos valores de um Expert, mas a partir dos valores de um “Achiever” (Mindset Moderno). Entretanto, este ainda não era o nível de consciência ativado quando Andrea passava pelas catracas do prédio no qual os escritórios de sua empresa estavam instalados. De fato, ela ainda tendia a entrar no seu escritório pensando como uma “Expert”. Ou seja, ela tinha de prestar a atenção para agir como “Achiever” no caso da delegação de atividades à sua equipe. Além de continuar praticando de acordo com o seu NWB, duas coisas são fundamentais para garantir a consolidação do novo comportamento (CWB) e, consequentemente, o deslocamento do centro de gravidade da consciência de Andrea para o estágio Achiever (KEGAN & HALEY, 2009): i) identificar pontos de captura; e ii) desenvolver meios de escape.
Para identificar pontos de captura, é preciso refletir sobre a sua experiência recente, e se questionar em que situações você ainda age de acordo com o seu CWB. Obviamente, a tentação inicial é atribuir a estes momentos o rótulo de “momentos sem consciência, diante de questões menos importantes”, mas minha experiência com o desenvolvimento de líderes e os trabalhos de diversos autores, incluindo Kegan e Lahey, mostram que é justamente a partir destes momentos que nossos processos de consolidação podem ser interrompidos e as “recaídas” ao CWB começarem a se tornar mais frequentes. Ou seja, vale a pena “cavar” e tentar identificar o que está por trás destes momentos. Este ato de investigação deve começar pela classificação destas situações: elas precisam ser vistas como momentos em que os seus grandes pressupostos do seu CWB ainda são válidos. Ao ser questionada sobre este ponto, Andrea resistiu inicialmente, mas acabou aceitando que nas situações em que ela acabava não delegando, os seus grandes pressupostos ainda eram válidos. E ela explicou: “Às vezes demandas muito pontuais e de pequena importância chegam por mim ao departamento, como por exemplo, o pedido para elaborar um relatório detalhado de projetos por categoria. Sei que sou a pessoa que terá acesso mais rápido a totalidade dos dados necessários para configurar o relatório, além de estar mais familiarizada com este tipo de demanda, o que faz com que eu opte por realizá-lo sem delegar a minha equipe. A princípio, pensei que isso nada tinha a ver com o meu comportamento anterior de não delegar projetos importantes para nossos clientes externos, mas após parar e refletir, percebi que além de serem importantes e atenderem ao meu diretor na maioria das vezes, eu deixava de delegar estes relatórios exatamente pelos mesmos motivos pelos quais eu deixava de delegar os maiores projetos de clientes anteriormente: posso fazer mais rápido resolvendo sozinha do que se optar por explicar tudo a um dos membros da minha equipe e aguardar que ele faça, sem falar na possibilidade de ter retrabalho ao final. Embora fossem coisas distintas (projetos para clientes externos e relatórios internos para a diretoria), o mecanismo mental pelo qual eu acabava não delegando era exatamente o mesmo, o que comprovava a permanência da validade dos meus grandes pressupostos naqueles casos. Ao aceitar este fato, acabei percebendo que ele não ocorria somente com demandas externas. Nas últimas semanas eu havia feito sozinha pelo menos três pequenos projetos para a área comercial por achar que se delegasse à minha equipe poderia sobrecarregá-la, já que estavam trabalhando em dois grandes projetos com prazo apertado.”
Novamente, embora à primeira vista parecessem situações totalmente distintas daquelas que levaram Andrea a enfrentar o seu desafio perfeito, ela acabou assumindo que alguns dos pressupostos por trás do seu comportamento diante destas eram os mesmos que a impediam de delegar projetos importantes anteriormente. Então, Andrea concluiu que o seu pressuposto continuava válido nas situações em que demandas internas de grande importância e demandas externas menores concorriam com os projetos maiores já delegados. Ou seja, estas situações eram os seus “pontos de captura”! E então vem a grande questão: como evitar ser capturado e “cair nas redes” dos seus grandes pressupostos, voltando a funcionar de acordo com o seu CWB original? É aí que entram os “meios de escape”! Eles devem funcionar como “alarmes” que vão soar quando os “gatilhos” dos pontos de captura o colocarem novamente sob o jugo dos seus grandes pressupostos originais. A maioria das pessoas define uma frase ou um “mantra”, que possa ser pronunciado mentalmente (ou mesmo verbalmente para si), sempre que os gatilhos dos pontos de captura forem acionados! Neste ponto, mais uma vez é fundamental envolver pessoas da equipe que você lidera, o seu líder ou pares com que você normalmente interagirá na situação típica dos pontos de captura. Assim, Andrea envolveu o Gerente Comercial, o seu Diretor e toda a sua equipe em seu Desafio Perfeito. Ela pediu ao seu Diretor que finalizasse uma solicitação que não fosse absolutamente gerencial a ela com a expressão “delega”. Pediu também ao Gerente Comercial que se valesse da mesma expressão quando concluísse o encaminhamento de demandas dos clientes e, por fim, pediu aos membros de sua equipe que a lembrassem dizendo “você é a líder” todas as vezes em que ela começasse a micro gerenciar ou chamar para si parte do trabalho operacional dos projetos. Estes “meios de escape” acabaram se tornando fundamentais para que Andrea pudesse consolidar o seu novo jeito de ser em relação ao seu papel como líder, estabilizasse o centro de gravidade de sua consciência no mindset Achiever (Laranja) e lograsse sucesso em sua nova função de Gerente Geral da Unidade de Negócios.
Vencendo as Imunidades Coletivas à Mudança
A esta altura deve estar clara a importância do processo de subversão de imunidades na consecução de um Desafio Perfeito individual. Nosso foco passará então para a subversão das imunidades em uma equipe de trabalho. Para isso, vamos retomar o caso da Empresa ALFA, apresentado no segundo artigo desta trilogia. O “Desafio Perfeito” da área de operações industriais da Alfa era: Gerar melhorias significativas provenientes dos operadores no chão de fábrica, o que incluía: i) Envolver os operadores em projetos significativos de melhoria, os capacitando para tal; ii) Priorizar os trabalhos de melhoria dos operadores em detrimento de demandas de curtíssimo prazo; iii) Transformar engenheiros e supervisores em provedores de apoio às equipes operacionais; iv) Recompensar as equipes e os operadores que melhor desempenharem. Este objetivo de melhoria da primeira coluna do nosso mapa de imunidade coletivo foi definido em um workshop com a participação da Diretoria da ALFA e todos os gerentes, coordenadores e staff da área de operações. Um ponto importante que deve ser mencionado aqui é que quando trabalhamos com a subversão de imunidades em equipes, as etapas de preparação, execução e consolidação da mudança acabam se superpondo naturalmente. Isso pode fazer com que, eventualmente, elas deixem de ser conduzidas de forma adequada. Para evitar que isso ocorra, é extremamente desejável que os líderes envolvidos no processo estejam conduzindo suas subversões de imunidades individuais. E foi exatamente isso que ocorreu no caso da ALFA. Os objetivos de melhoria individual (“Desafios Perfeitos”) do Diretor Industrial e de cada gerente e coordenador da área de operações correspondiam à sua parcela de contribuição para a consecução do objetivo de melhoria coletivo da ALFA.
Vimos também no segundo artigo desta trilogia que, uma vez definido o desafio perfeito para a área de operações industriais da ALFA, foram realizados dois workshops distintos (um com gerentes, staff, coordenadores e supervisores e outro com líderes de produção e operadores) nos quais se levantou os comportamentos que iam contra o objetivo em questão. Os inputs provenientes dos dois workshops foram consolidados na segunda coluna do mapa de Imunidades da ALFA e apresentavam os seguintes itens: i) Operadores são cobrados pela quantidade de melhorias que propõem e não pelo resultado que geram; ii) Gerência e supervisão não acompanham as melhorias de forma uniforme ao longo do tempo, só monitorando e cobrando quando se aproxima a semana KAIZEN; iii) No dia a dia o foco dos operadores é apenas cumprir padrões, jamais melhorá-los realmente, papel este que fica a cargo dos engenheiros industriais (staff); iv) Projetos de melhorias trazidos pelos operadores envolvendo alterações com em investimentos significativos são “engavetados” sem feedback; v) Treinamentos mais complexos envolvendo estatística para os líderes de equipe foram cancelados, sendo que estes não são cobrados por treinarem e multiplicarem este tipo de treinamentos; vi) Mesmo que não atinjam a meta, operadores perdem apenas uma fração ínfima do seu bônus coletivo no final do ano; e vii) Operadores sabem que não têm autonomia real, apesar de fazerem parte de equipes “autogerenciáveis” – como exemplo, a autonomia para parar a linha de produção diante de erros foi utilizada apenas 3 vezes, tendo a última vez ocorrido há dois anos.
Em seguida aos dois workshops iniciais, foi realizado um novo workshop, agora com a participação simultânea de gerentes, engenheiros, coordenadores, supervisores e líderes de equipes, no qual foram coletados os dados para a terceira coluna do mapa de imunidades, ou seja, os compromissos ocultos que se opõem a mudança desejada, que no fundo constituem as lentes culturais que impediam a ALFA de ter um verdadeiro programa de melhoria contínua com o envolvimento dos seus operadores. Mais uma vez, após a consolidação, os seguintes pressupostos emergiram: i) Gerência, supervisores e direção não veem os operadores como tendo capacidade de gerar melhorias reais; ii) O importante é mostrar grande número de melhorias nas Semanas Kaizen, nem que tudo seja feito pelos engenheiros e supervisores; iii) Dar real autonomia aos operadores é uma ameaça à sobrevivência da empresa; iv) Gastar com capacitação do nível operacional é desperdício de tempo e, principalmente, dinheiro.
Ainda nesse workshop, o grupo se empenhou em definir a quarta coluna do Mapa de Imunidades Coletivo, ou seja, os Grandes Pressupostos por trás dos valores da terceira coluna, chegando aos seguintes pontos: i) As coisas estão indo bem quando os operadores estão envolvidos em produzir de acordo com os padrões e os engenheiros e supervisores se envolvem com os problemas da fábrica; ii) O envolvimento dos operadores na resolução dos problemas mais relevantes do sistema de produção não trará ganhos efetivos à empresa, mas apenas gastos adicionais com treinamentos e horas extras. Como vimos no caso das Imunidades Individuais, o próximo passo natural da metodologia é a Revisão dos Grandes Pressupostos, formulando-os de forma que possam ser testados. Foi então que o Grupo concluiu a formulação do Grande Pressuposto da área industrial da ALFA: “Se envolvermos os nossos operadores nos trabalhos de melhoria mais significativos juntamente com a participação dos nossos melhores engenheiros, coordenadores e supervisores, o aumento de gastos que teremos com treinamento e horas-extras não será compensado pelos ganhos adicionais decorrentes da sua participação.” Ao final do workshop, todos os participantes saíram com uma missão: pensarem individualmente em uma forma de testar o pressuposto em questão. Nesse ponto é fundamental lembrar que os testes de pressupostos não têm como objetivo final a mudança de comportamento ou uma melhoria real consistente na situação avaliada. O objetivo dele é apenas investigar a validade ou não do pressuposto em questão.
Na reunião seguinte, várias ideias foram apresentadas e o grupo convergiu para o seguinte teste de pressupostos: configuraram duas equipes de melhoria envolvendo operadores, uma com operadores da área de montagem e sub-montagem e outra com operadores da área de fabricação, ambas envolvendo pessoal dos dois turnos de produção. Elas iriam trabalhar com projetos-piloto de melhoria com grande potencial de ganhos para a empresa, mas que não eram urgentes e por isso vinham sendo adiados. A ideia era computar todos os gastos referentes à participação dos operadores (especialmente horas-extras e capacitações) e contrapor aos ganhos gerados pelos projetos. Os projetos-piloto são a essência da reversão das imunidades coletivas à mudança, mas exigem alguns cuidados fundamental na sua execução.
Em primeiro lugar, não é uma ação para ver se algo dá certo ou não! Qualquer que seja o resultado, é muito importante tomar cuidado com a sua análise, pois os vieses dos envolvidos tendem a influenciar o julgamento. Assim, além de ter indicadores claros de desempenho (como no caso da ALFA), é importante ler o resultado como parte de um caminho e não uma resposta final sobre a subversão das imunidades. No caso dos projetos-piloto da ALFA, os gastos com treinamentos e horas-extras dos operadores que participaram foram excedidos pelos retornos dos projetos de melhoria, em ambos os casos, já no segundo mês após sua implementação. Mas isso não quer dizer que a partir de então todos tiveram de mudar urgentemente sua forma de enxergar a questão. É preciso fazer novos testes, em situações distintas, e contar com a divulgação ativa dos seus resultados para toda a área industrial. Os principais convencidos pelos resultados dos testes serão sempre aqueles que realmente estavam envolvidos em sua realização e vivenciaram os mesmos com suas mentes e corações. Para os demais, a divulgação dos resultados do teste pode parecer apenas mais uma “campanha de endomarketing da Diretoria”. Assim, em processos coletivos de mudança que envolvam equipes de toda uma área, como na ALFA, a única forma de garantir a subversão das imunidades é a gradual expansão dos testes de pressupostos até abranger a maior parte do efetivo.
Para não precisar envolver todas as pessoas da organização nos testes e conseguir implementar ações concretas de mudança a partir destes, um segundo ponto crítico na reversão de imunidades coletivas são os workshops pós-implementação dos testes. Mais do que a simples divulgação dos resultados (o que certamente é importante), após a realização de cada teste, o grupo de líderes (e se possível todo o grupo envolvido no trabalho inicial) deve ser reunido novamente para responder a questões como: i) “O que esses resultados significam para os nossos grandes pressupostos?”; ii) “Percebemos que conseguimos invalidar nossos pressupostos nas situações particulares destes dois projetos-piloto, mas será que o resultado seria o mesmo em uma situação X ou Y?”; iii) “Qual teste mais abrangente e ‘real’” poderíamos planejar?. A ideia é que se ampliarmos a abrangência e o grau de “realidade” dos testes gradualmente, envolvendo cada vez mais pessoas e refletindo sobre os seus resultados, em pouco tempo o grupo poderá chegar à conclusões que impliquem não mais na realização de um teste adicional, mas na efetiva implementação dos comportamentos de mudança na totalidade das equipes envolvidas. A boa notícia é que essa decisão não terá sido mais um processo top-down em que o decidido vai contra a cultura organizacional (lembrem-se sempre de que “a cultura come a estratégia no café da manhã”). Esta decisão terá emergido da própria mudança cultural, ou seja, da própria mudança dos pressupostos referentes à questão!
Por fim, uma última questão de extrema importância para o sucesso em “Desafios Perfeitos” coletivos, como na Alfa, é o engajamento de todos os líderes envolvidos no processo em jornadas de reversão de suas próprias imunidades individuais, que por sua vez devem estar relacionadas à imunidade coletiva do grupo maior. Os processos de reversão coletivos não dispõem de técnicas poderosas como a SOE ou os ciclos de desenvolvimento (CODs) sendo aplicados em todos os envolvidos, o que seria inviável, mas a sua realização com os líderes das equipes ao longo do processo de mudança coletivo faz toda a diferença em termos de resultados!
Mudanças como a implementação da melhoria contínua com o envolvimento dos operadores na ALFA acabam tendo uma série de efeitos colaterais. Ao deslocar o centro de gravidade da consciência dos líderes da área de operações dos níveis “Expert” (azul-LARANJA ou AZUL-laranja) para “Achiever” (LARANJA) e até mesmo Pluralist (VERDE), e dos operadores e líderes de produção de “Diplomat” (AZUL) para “Expert” e “Achiever”, o processo de subversão destas imunidades específicas irá possibilitar a ALFA a implementação de uma série de outras técnicas e metodologias que, se implementadas no cenário anterior não produziriam os resultados desejados. Ou seja, a nova cultura e os novos níveis de consciências desenvolvidos pelas equipes envolvidas no processo as permitirão alcançar resultados efetivos com outros programas e metodologias que, se implementados antes, seriam “jantados” pela cultura sem que nenhuma mudança concreta ocorresse!
Então, chegamos ao final da Trilogia “Mudança 4.0”. Espero que a leitura dos três artigos o tenha inspirado a fazer profundas transformações em si próprio, buscando sua melhor versão como líder e ser humano! Também espero que o texto tenha jogado luz sobre os “eternos projetos de mudança em que nada muda” da sua equipe e organização. Se “a cultura come a estratégia no café da manhã”, isso ocorre justamente porque o planejamento, na grande maioria das vezes, tende a ignorar os valores, pressupostos e níveis de consciência ativos no contexto organizacional, que fazem com que nossas mudanças tendam a não passar, na maior parte das vezes, de boas intenções! Como bônus, além de conseguir fazer aquela mudança há muito desejada, a abordagem do “Desafio Perfeito” traz como incalculável ganho adicional, indo muito além da mudança proposta nos níveis pessoal e organizacional, a capacidade de implementar muito mais facilmente diversas outras mudanças que exigem o novo mindset desenvolvido! Bem-vindo ao crescimento! Bem-vindo ao desconforto! Bem-vindo ao seu novo “Eu”!