Mudança de Verdade ou Voo de Galinha

Mudança de Verdade ou Voo de Galinha?

Com este artigo, estou retomando os tópicos de mudança individual e organizacional, que explorei no ano retrasado com a trilogia Mudança 4.0 aqui no LinkedIn. Mas ao contrário da série anterior, nessa eu vou explorar o tema por meio de artigos menores, mais diretos e contextualizados diretamente na prática empresarial.

“Vivemos em uma Era em que a única constante é a mudança!” Certamente você já ouviu esta frase nos últimos tempos. Mesmo antes da Pandemia ela já tinha virado clichê. Há cerca de 5 anos, a maioria dos artigos científicos e de opinião nas áreas de Negócios, Gestão, Liderança e Inovação trazia alguma frase ou citação, versões diferentes desta frase mas com este mesmo significado.  Eu tenho a impressão de que o seu uso diminuiu nos últimos anos e os mais incautos poderiam dizer que as pessoas já se acostumaram com a nova taxa de mudanças nos ambientes de negócios e organizacionais. Mas eu diria que, além do termo ter sido usado até a exaustão (especialmente de quem lê, risos), de alguma forma, líderes e organizações parecem estar começando a entender o real significado dela neste mundo pós-pandêmico. Sim, a taxa de mudanças no ambiente segue aumentando, mas as empresas, sem dúvida, começam a perceber que muito dos seus esforços de mudança nos últimos anos não produziram resultados consistentes, ou seja, foram verdadeiros “voos de galinha”.

Tomemos um dos grandes movimentos recentes de mudança nas organizações: a Transformação Digital. Nos últimos anos pude conversar com alguns CIOs, COOs e CFOs de empresas que fizeram grandes investimentos em projetos de Transformação Digital.  Em geral, todos me trouxeram relatos parecidos: algo como “esperávamos ganhos bem maiores” ou “digitalizamos processos, mas os resultados finais de grande parte dos KPIs continuaram parecidos”.  De alguns poucos eu consegui ouvir: “A verdadeira mudança vai muito além da tecnologia” ou “nosso pessoal operacional não estava preparado para lidar com tanta autonomia”. Falamos da Transformação Digital, mas poderíamos ter focado, por exemplo, em algumas abordagens ainda mais recentes e voltadas ao desempenho de processos, como a Gestão Ágil. Há pouco mais de um ano, uma Gerente de DHO nos demandou um pacote de treinamentos em Gestão Ágil para sua empresa. Antes mesmo que pudéssemos discutir o escopo, o Gerente Operacional da mesma empresa já se adiantou em dizer: “Só não me venham falar em mudança cultural. Quero foco nas ferramentas que vão promover as mudanças. Kanban, Sprint, Scrum e tudo mais”. Então vem a grande questão: quem ou o que vai promover as mudanças para valer? É a nova tecnologia? São as novas ferramentas?

Toda mudança organizacional envolve mudanças de comportamento. E são pessoas que se comportam de uma forma ou de outra. Por mais que a disponibilidade de uma nova tecnologia permita desempenhar determinadas atividades de forma mais eficaz ou produtiva, ou uma ferramenta ágil viabilize que um processo seja desempenhado mais rapidamente e com menor custo, são as pessoas que terão de fazer algumas coisas de forma diferente ou mesmo deixar de fazer outras para que a mudança almejada produza resultados concretos e sustentáveis. Ou seja, pessoas terão de mudar seus comportamentos. E então vamos lá: sabe aquela nova estratégia comercial, com a qual a sua empresa tem tudo para virar o jogo no mercado? Depende de mudanças nos comportamentos das pessoas. Sabe aquela nova abordagem para a gestão e melhoria no chão de fábrica? Também depende de mudanças de comportamento. Aquele novo projeto de gestão da cadeia de suprimentos? Mais uma vez, depende de mudanças de comportamento! Sei que alguns de vocês podem estar pensando: ora, mas é SÓ mudar comportamentos! É aí que entra a cultura organizacional. E muitas vezes, a própria definição de cultura nos leva a achar que ela não está relacionada a forma como as pessoas se comportam. É comum ouvirmos falar da cultura como “valores compartilhados”. Mas os valores são apenas um dos elementos da cultura, sem dúvida os mais intangíveis e, por isso mesmo, os mais difíceis de serem definidos (e mudados). Por isso, para conhecer e caracterizar uma cultura, precisamos observar como as pessoas se comportam na organização. É o conhecido “The way we do things around here”.

Fonte: Baseado em Schein (2009).

A Figura 1 mostra a definição de Ed Schein (2009) para Cultura Organizacional. Reparem que os comportamentos são o elemento que aparecem na parte de cima, como a parte tangível da cultura. Logo abaixo dos comportamentos estão os valores expostos, que comunicam as características da cultura “desejada” peal organização. Por fim, abaixo dos valores expostos e já abaixo “da linha d’água” (é comum a representação da cultura como um iceberg, do qual vemos só sua “ponta”, os comportamentos, mas não conseguimos entender o que está por baixo destes, ou seja, seus elementos intangíveis), encontramos os valores subjacentes compartilhados. Subjacentes aqui pode ser “traduzido por “subconscientes”.

Então, o problema de mudar comportamentos, tanto individuais como coletivos, é que eles foram aprendidos porque resolveram de forma adequada os problemas que se apresentaram no passado. Eles se consolidaram como o “jeito certo de fazer as coisas” e se cristalizaram em valores e crenças compartilhados no subconsciente das pessoas.  Ou seja, se eu pretendo mudar a forma de realizar uma determinada atividade, primeiro eu terei de convencer racionalmente as pessoas de que a nova abordagem é melhor que a anterior. Convencê-los que ela será capaz de resolver os novos problemas que se apresentam. Muitos esforços de mudança já fracassam neste ponto, pois nem mesmo cognitivamente a nova solução se mostra superior a anterior aos olhos dos colaboradores. Nestes casos, as pessoas poderão não se esforçar adequadamente para aprender a nova técnica, porque duvidam dela. Mas o convencimento racional não basta. Como vários dos comportamentos anteriores se baseiam em crenças e mecanismos de proteção das pessoas envolvidas (os valores subjacentes), estando profundamente arraigados, o trabalho de mudança, especialmente aquelas mudanças mais significativas, terá de levar em conta as questões emocionais dos indivíduos e das equipes, ou seja, terá de focar em mapear e subverter suas imunidades à mudança, desenvolvendo um novo mindset.  Entretanto, historicamente, a maioria das organizações tende a ignorar esta necessidade. E então, aquela nova estratégia perfeita ou aquele novo projeto imbatível não geram os resultados esperados, porque a mudança implementada é superficial. Mudou a ferramenta, mudou a técnica, mas não mudou o mindset.  Sempre que isso acontece, vale a célebre frase do Guru Peter Drucker: “Culture eats strategy for breakfast”. E a galinha alça o seu breve voo! Até a próxima mudança urgente. E o seu próximo voo!

REFERÊNCIAS:

SCHEIN, E. H. The Corporate Culture Survival Guide. 2nd Edition. San Francisco: John Wiley & Sons, 2009.

Foto de José Vicente B. De Mello Cordeiro, PhD.

José Vicente B. De Mello Cordeiro, PhD.

Founding Partner at Integral Works / Executive Consultant / Professor of Leadership & Strategy / Speaker / Coach & Mentor

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