05/01/2016 (revisado em 10/09/2016)
A princípio pode parecer estranho falar em um único problema para o Brasil. Afinal, são tantas as mazelas que percebemos em nosso dia a dia, especialmente quando comparamos nossas rotinas aqui com aquelas que temos quando fazemos alguma viajem para o exterior a trabalho ou mesmo a lazer, que falar em um único problema parece coisa de político demagogo que vai prometer o paraíso por meio de um programa de governo não implementável. O que dizer então da vida dos cidadãos menos favorecidos aqui quando comparadas com a do “povão” destes outros países? Mas o ponto aqui é que, embora minha proposta seja apontar um único problema mais fundamental, ou até a causa raiz dos maiores problemas que vivenciamos em nossas vidas no Brasil, a solução deste problema ou a remoção desta causa raiz não são tarefas simples. De fato, envolvem programas e projetos para uma ou duas gerações. Mas a vantagem da Dinâmica da Espiral e da Abordagem Integral, modelos para entender nossas mentes e nossos mundos, é que elas nos permitem sintetizar toda a complexidade das nossas dificuldades em algumas poucas páginas. E é isso que eu pretendo fazer nesse texto.
Vou começar apresentando a Dinâmica da Espiral (SD, do inglês Spiral Dynamics). Esse modelo, desenvolvido pelo americano Clare Graves na década de 1960 e aperfeiçoado por Don Back e Chris Cowan na década de 1990, pretende simplificar a evolução psicossocial dos seres humanos desde a pré-história até a atualidade e desde o berço até a iluminação. Sim, o primeiro ponto fundamental do modelo é seu caráter evolucionista: assim como evoluímos como seres humanos desde o nascimento, a raça humana também evolui desde que surgiu na Terra. Uma primeira pergunta nesse ponto pode ser: Evoluímos? Se uma criança não faz mal a ninguém, o que falar dos adultos bandidos que matam cruelmente nas ruas de nossas grandes cidades? E as matanças de inocentes no Oriente Médio? “Na Idade da Pedra esse tipo de coisa não acontecia”, alguém pode argumentar! Aqui entra um ponto fundamental enfatizado por Ken Wilber, o grande filósofo integral que adotou a SD para mapear o desenvolvimento da raça humana: Quanto maior o desenvolvimento, maior a complexidade e maior as chances de as coisas darem muito errado. Crianças não matam porque não conseguem fazê-lo! O homem pré-histórico não praticava genocídios porque não tinha capacidade intelectual de desenvolver armas de destruição em massa. Ambos se tivessem estas capacidades matariam, e matariam por muito pouco. Aliás, um ótimo lembrete de Wilber sobre nosso desenvolvimento moral e psicossocial vem da Teoria de Piaget: a criança de menos de cinco anos é tão egoísta que é totalmente incapaz de ver pelo prisma de outro. O teste da bola vermelha e azul é infalível neste sentido[1].
A visão desenvolvimentista da SD (e da Abordagem Integral de Ken Wilber) é a mesma da Teoria de Abraham Maslow. Apenas, os níveis de desenvolvimento da SD englobam mais atributos dos que as necessidades mapeadas por Maslow. Assim, trata-se de uma hierarquia de níveis pelos quais os seres humanos evoluem ao longo de suas vidas e ao longo de história de sua raça, sempre que as condições para esta evolução são favoráveis. Abaixo apresento os oito principais níveis de consciência da SD, denotados por cores, com algumas de suas principais características:
- Bege: arcaico-instintivo – o nível de consciência da sobrevivência básica, de cunho físico, comum aos bebês saudáveis de hoje em dia até aproximadamente 18 meses e aos adultos das sociedades humanas primitivas, os homens das cavernas;
- Roxo: mágico-animista – o nível de consciência da sobrevivência emocional, predominante nas crianças de 18 meses e 3 anos e nas primeiras sociedades tribais organizadas;
- Vermelho: mágico-egocêntrico – surge nas crianças a partir dos 3 anos e pode se tornar dominante até os 6 anos, sendo o nível de consciência do adulto médio dos reinos feudais – 20% dos adultos de hoje em dia ainda se encontram neste estágio de consciência, a maioria em países atrasados do ponto de vista socioeconômico;
- Azul: mítico-etnocêntrico – nível alcançável pelas crianças saudáveis de 7 anos em diante, podendo ser dominante a partir da pré-adolescência e adolescência, sendo o nível de consciência dos adultos médios dos EUA puritanos, da China confucionista e de grande parte dos regimes totalitários contemporâneos, incluindo o Terceiro Reich e as ditaduras militares da América Latina – atualmente, em torno de 40% dos adultos do mundo encontram-se neste estágio de consciência;
- Laranja: racional-instrumental – nível de consciência alcançável já a partir dos 9 anos em sociedades avançadas, mas podendo se tornar dominante somente a partir dos 15-16 anos, sendo o nível de consciência médio dos adultos protagonistas do Iluminismo e dos trabalhadores do mercado financeiro de hoje em dia – aproximadamente 30% dos adultos de hoje em dia estão neste estágio;
- Verde: racional-pluralista – alcançável já a partir do início dos 15 anos nos países mais avançados, mas podendo tornar-se dominante apenas ao final da adolescência (20 anos), tendo se tornado dominante nos primeiros adultos há mais ou menos 150 anos e estando presente em percentuais bastante elevados nas populações adultas dos países nórdicos, Holanda e Japão, por exemplo – em termos globais, é o nível de consciência de 10% da população adulta;
- Amarelo: integrativo-sistêmico – alcançável a partir dos 20-30 anos, mas em condições de assumir papel dominante na personalidade apenas após os 30-35 anos nos adultos das sociedades mais avançadas, estando presente em percentuais muito pequenos da população mundial (1% dos adultos), sendo o primeiro nível de consciência no qual é possível identificar claramente a existência dos demais níveis de consciência e as realidades e necessidades de cada um, sendo considerado o primeiro nível de “existência” (Foco em VIVER!), ao contrário dos anteriores, predominantemente focados na “sobrevivência”;
- Turquesa: holárquico-integral – alcançável a partir dos 30 anos, mas podendo assumir papel dominante apenas na meia-idade, sendo dominante em percentuais ínfimos da população mundial (menos de 0,1%), caracterizando o estágio máximo de desenvolvimento da consciência humana até o presente momento[2].
A evolução na espiral é, portanto, uma permanente alternância entre o foco no individual e no coletivo, no lócus de controle interno e no lócus de controle externo. Nota-se um salto quântico de consciência na passagem do nível verde para o amarelo, da luta contra as adversidades da vida para o alinhamento com as necessidades da vida. Do ponto de vista dos objetivos deste texto, três níveis de consciência são especialmente importantes para nós e merecem um detalhamento mais específico: azul, laranja e verde.
O pensamento azul é essencialmente dogmático, buscando verdades absolutas. É fundamental para garantir a coesão de agrupamentos humanos em torno de um propósito, significando uma grande evolução em relação ao “que vença o mais forte” do nível vermelho de foco individualista. Entretanto, opõe frontalmente agrupamentos unidos em torno de propósitos distintos, pois as verdades absolutas dos outros são vistas como inverdades. Tem no fundamentalismo a sua grande distorção.
O segundo é o nível laranja, rompendo com o dogma azul ao empregar a racionalidade na resolução de problemas. Representa a supremacia da ciência sobre a tradição, a busca do ótimo em substituição ao que sempre deu certo. A força motora do nível laranja é a competição, a luta para vencer os oponentes racionalizando as questões envolvidas no jogo. Outra grande revolução trazida pelo nível laranja é a responsabilidade, aquilo que os americanos chamam de accountability. Ao fazer escolhas seguindo uma lógica racional não imposta por terceiros, o ser humano passa naturalmente a ser capaz de responder por estas escolhas. Ele não está mais sendo coagido a aceitar a lógica imposta por uma autoridade externa. Ele mesmo definiu sua lógica e isso muda muita coisa. Sua grande distorção é o reducionismo maquinal e a consequente acumulação de bens muito acima das necessidades, o que termina por ameaçar a vida no Planeta.
O terceiro nível fundamental para nossa discussão é o verde. Aqui a pessoa percebe que a competição exacerbada causou danos a vida pessoal (família, amizades, saúde) e, pior, muitas vezes não gerou os melhores resultados em termos de alcance material privado e nos negócios. Ocorre então um novo foco nos relacionamentos como forma de abordar os problemas de forma mais sistêmica, rompendo com a lógica maquinal anterior. Neste novo nível de foco coletivo da SD, o grupo se expande do foco restrito no “meu povo”, “meu país” e “meu time” (do nível azul) para englobar a diversidade plural de “todos os seres humanos”.
Neste ponto cabem algumas ressalvas acerca da visão da SD acerca do desenvolvimento humano. Em primeiro lugar, não se trata de uma escala para definir como as pessoas são ou O QUE elas pensam: trata-se de um modelo para entender como as pessoas interpretam a realidade que vivenciam. Ou, de forma mais simples, COMO as pessoas pensam. Assim, um adulto protestante conservador do meio oeste norte-americano tem o mesmo modo de pensamento de um mulçumano fundamentalista iraniano (azul, mítico-etnocêntrico), embora ambos sejam incapazes de chegar a um denominador comum em uma conversa a dois sobre praticamente qualquer assunto, da religião à política, passando pelos negócios.
Em segundo lugar, embora se trate de uma hierarquia psicossocial, cada nível da mesma vai exigir uma determinada “infraestrutura” biológica para o seu aparecimento. Por isso não existem crianças ecologistas (a compreensão da necessidade de preservar o planeta é algo que aparece no nível verde e exige um cérebro maduro), embora elas possam criar hábitos alinhados com a preservação do meio ambiente quando assim ensinadas. Da mesma forma, traumas psicológicos ou problemas físicos (como os genéticos) podem bloquear a ascensão na hierarquia. Um portador de Síndrome de Down dificilmente conseguirá estabilizar um nível mais complexo que o azul, assim como um adulto com esquizofrenia.
Um terceiro ponto, extremamente importante, diz respeito à sequência de desenvolvimento. Depois de estabilizar seu “centro de gravidade” no nível vermelho, o próximo nível a ser buscado é o azul. O mesmo vale do azul para o nível laranja e deste para o verde. Não há como saltar níveis, uma vez que existe uma hierarquia entre os modos de pensamento. Portanto, do azul, a pessoa terá de começar a testar a abordagem laranja até consolidá-la, para em seguida começar a questioná-la e testar a abordagem do nível verde. Pode-se passar rapidamente pelo nível laranja, mas não se pode pulá-lo, indo direto do azul para o verde[3]. Um quarto e importante ponto também é digno de nota a esta altura: ter “lampejos” ou momentos no qual se pensa de uma determinada forma não significa ter aquele nível de consciência estabilizado e sendo e equivalendo a sua forma predominante de pensar. Por exemplo, embora o leitor possa ter como nível dominante o azul, laranja ou verde, não teria chegado até este ponto da leitura se já não tiver tido momentos no qual pensou de acordo com o nível amarelo de consciência. Entretanto, a estabilização de um determinado nível mais complexo (laranja para os que estão hoje no azul, verde para os que estão no nível laranja e assim por diante) vai exigir: i) ter estabilizado o nível imediatamente inferior em termos de complexidade e ter resolvido problemas por meio da “lógica” de pensamento deste nível; ii) ter a “infraestrutura” apropriada, ou seja, não ter bloqueios bioquímicos, genéticos ou psicológicos; iii) ser exposto constantemente a situações nas quais a forma de pensar do nível atual não seja capaz de responder, levando a aplicação da abordagem hierarquicamente mais complexa de forma cada vez mais intensa até a sua estabilização. É importante mencionar que a mudança do “centro de gravidade” do nível de consciência de uma pessoa é um momento de crise, muitas vezes intensa, podendo ser breve ou duradoura, dependendo das circunstâncias nas quais a mesma se desenvolve. Não é à toa que a sabedoria popular vê nas crises oportunidades!
E agora passemos à questão do Brasil e dos demais países do mundo, ou seja, olhemos a distribuição desses níveis de pensamento (predominantes) pela população de cada país.
Observando a Figura 1 abaixo, que descreve a distribuição aproximada dos níveis de consciência predominantes entre a população adulta dos países nórdicos e do Japão e comparando-a com a da Figura 2 que apresenta a mesma distribuição no caso dos Estados Unidos, percebe-se que os níveis de pensamento acompanham de certa forma a distribuição de renda.
Figura 1: Distribuição dos Níveis de Consciência entre a população adulta no Japão, Dinamarca, Noruega e Suécia.
Levando em conta que tanto os EUA quanto o Japão e os países Nórdicos estão entre as maiores rendas per capitas do mundo, percebe que a curva da Figura 1 (Japão e Nórdicos) é muito mais fechada em torno do “centro de gravidade” do que a da Figura 2 (EUA), refletindo o fato desses países terem renda muito mais igualmente distribuída do que os EUA. O fato é que a distribuição de renda está fortemente correlacionada com o grau de disseminação de uma educação de longa duração e de qualidade, estando os níveis de consciência também fortemente correlacionados com estas características. Percebe-se também que o nível de consciência médio (assim como a MODA, ou seja, o nível de consciência de maior incidência) dos adultos japoneses e nórdicos é o laranja/VERDE, enquanto que o nível de consciência médio dos norte-americanos (assim como sua MODA) seria o LARANJA. Entre outras coisas, isso explicaria o maior sucesso das iniciativas de cunho ambiental no Japão e Suécia, bem como suas prisões muito mais vazias, quando comparadas com os EUA. Japoneses e nórdicos são os povos com modos de pensamento mais complexos na atualidade, ou seja, estão “na fronteira” do desenvolvimento humano de uma forma geral. Entretanto, isso não significa que estes sejam os países que possuem a maior quantidade de pessoas com pensamento mais complexo. Ao lembrarmos que os EUA têm mais de 300 milhões de habitantes (contra 110 milhões de Japoneses e menos de 50 milhões de nórdicos), conclui-se que o país com maior efetivo de pessoas com nível de consciência verde, amarelo ou turquesa são os EUA (de fato a Costa Oeste, o Nordeste e os a Região dos Grandes Lagos dos EUA têm média e moda nos seus perfis de níveis de consciência próximos do Gráfico 1, embora com uma dispersão bem maior). Não é, portanto, à toa, que a maior parte dos livros e teorias inovadoras sobre filosofia, liderança, comportamento e gestão (e não só sobre tecnologia e consumo) são americanos!
Figura 2: Distribuição dos Níveis de Consciência entre a população adulta dos Estados Unidos.
Vendo os gráficos para alguns dos países mais ricos do mundo, surge inevitavelmente a questão: E como fica a distribuição dos níveis de consciência nos países pobres? A Figura 3 mostra a distribuição dos níveis de consciência em Angola, país africano de colonização portuguesa. Décadas de Guerra Civil desde a independência conquistada no início da Década de 1970 fazem de Angola um exemplo de subdesenvolvimento: altos índices de analfabetismo, alta mortalidade infantil, corrupção endêmica e uma péssima distribuição da baixa renda nacional (apesar do petróleo), representada por um PIB de US$ 115 bilhões divididos pelos 21 milhões de angolanos. A ausência de um sistema sequer razoável de educação básica pública ao longo das últimas décadas faz da tarefa de encontrar um adulto operando no nível convencional (de AZUL em diante) algo bastante difícil. A média e a moda do nível predominante de consciência da população adulta é o VERMELHO e o VERMELHO-azul, com uma minoria operando no AZUL, uma elite correspondente a menos de 5% da população operando em torno do LARANJA e um ou outro intelectual chegando ao nível VERDE. Transformar Angola em uma sociedade focada em VIVER ao invés de SOBREVIVER é uma tarefa para pelo menos três gerações, desde que que tudo seja feito de forma correta a partir de agora: Investimentos maciços em educação básica, com gastos volumosos na formação e remuneração de professores (incluindo a “importação” de multiplicadores de Portugal e do Brasil), reforma agrária, saneamento, renda mínima, fortalecimento das instituições, desenvolvimento de uma indústria de transformação local, etc.
Figura 3: Distribuição dos Níveis de Consciência da população adulta em Angola.
Por mais desesperadora que a situação de Angola possa parecer, serve de consolo o fato de que a distribuição dos níveis de consciência dos EUA no Século XVIII era mais ou menos a mesma da que aparece na Figura 3. O número de intelectuais pluralistas preocupados com igualdade de gênero e condições ideais de trabalho (VERDE) era baixo o suficiente para manter sua zona de influência restrita a academia e alguns eventuais bons empresários e políticos. Além disso, o número de empreendedores (LARANJA) era bem menor que o número de cidadãos em condições de seguir um trabalho padronizado (AZUL), evitando o problema de “muito cacique para pouco índio” e viabilizando eventuais empreendimentos industriais de baixo custo. Isso vale para tanto para os EUA pré-Taylor quanto para Angola hoje. Ou seja, se Angola implementasse a mesma receita dos EUA a partir de agora poderia chegar a uma boa situação ao final de um século. E aí vem a pergunta que não quer calar: e o Brasil?
Edmar Bacha cunhou um termo na década de 1970 que frequentava quase todas os discursos políticos da centro-esquerda logo após a redemocratização do país na segunda metade da década de 1980: BELÍNDIA. Em sua crítica das consequências do período do “Milagre Brasileiro”, Bacha afirmava que o Brasil estava se tornando uma país com legislação e carga tributária da Bélgica e realidade social da Índia. Isso tinha consequências diretas para a distribuição de renda, gerando um país dividido em dois: um Brasil educado, utilizando tecnologias avançadas e usufruindo das benesses da sociedade de consumo e outro, semianalfabeto, com baixa produtividade e à margem da sociedade de consumo. Nesse ponto muitos podem argumentar: “ora, mas a sociedade angolana também tem uma minoria que usufrui dos benefícios da sociedade de consumo!” Sim, mas trata-se de uma minoria superprivilegiada e não de 30% da população. De fato, pode-se dizer que o segmento formado pelos 30% de brasileiros com nível sociocultural mais avançado tinham um perfil de distribuição de nível de consciência similar ao da Itália (não exatamente ao da Bélgica) àquela época. Por outro lado, os outros 70% tinham um perfil similar ao de um país mulçumano do Oriente Médio, e não exatamente o da Índia. Porém, como se trata de apenas um país, quando tentamos colocar toda a população brasileira em uma curva de distribuição de níveis de consciência, encontramos o gráfico da Figura 4. Sim, trata-se de uma aberração, pois nossa distribuição não obedece à Curva Normal como as três vistas anteriormente. Algo realmente raro, que a princípio os economistas (como Bacha o fez) poderiam relacionar à política de industrialização baseada na Substituição de Importações, adotada pelo Brasil com Juscelino e levada ao seu auge durante o Regime Militar, em função de seu caráter inflacionário e concentrador de renda. Nesse ponto, o Brasil estaria acompanhado por Argentina e México, para não citar outros países latino-americanos que adotaram a mesma política. Ocorre que nenhum de nuestros hermanos tiveram junto à Substituição de Importações, em um único pacote, todas as condições abaixo: i) um passado de colônia de exploração baseada em escravidão negra; ii) seguido de massivas imigrações europeias com características de colonização de povoamento; e iii) a instalação de um sistema de educação cruel, que garante aos que estudam nas melhores escolas básicas privadas (e caras) o acesso às melhores universidades gratuitas, subsidiando o ensino das elites socioculturais e garantindo a perpetuação da desigualdade. Assim, se procurarmos em todo o globo algum país com distribuição de níveis de consciência similar a nossa curva esquisita da Figura 4, só iremos encontrar um: a África do Sul, outro caso de distribuição absurda de renda (e consequentemente de níveis de consciência), no caso deles motivada pelo regime do Apartheid, que separou a minoria branca e a maioria negra até a década de 1990.
Figura 4: Distribuição dos Níveis de Consciência no Brasil e na África do Sul.
Qual o maior problema da nossa curva de distribuição de Consciência? Lembram do caso de Angola e dos EUA do século XVIII? Então, aqui (assim como na África do Sul), não existe uma proporcionalidade saudável entre os níveis de consciência VERDE, LARANJA, AZUL e VERMELHO. E isso afeta o Brasil e emperra nosso caminho em diversos aspectos. Vamos começar pela Segurança Pública. Pergunta: O que a metade anterior da população da curva maior da Figura 4 (a “da Índia”) precisa para viver corretamente hoje e se desenvolver nos próximos anos, sem “sair da linha” no que se refere a desviar do caminho do bem e aderir ao mundo do crime? Como esta população opera predominantemente no nível vermelho, para que ela ande na linha ela deve ter medo de ser presa e condenada. Para se desenvolver ela deve conhecer e admirar cada vez mais os benefícios que se tem por seguir a lei. Por este motivo, se a Curva de Níveis de Consciência do Brasil fosse somente a mais alta da Figura 4 (a da “India”), as coisas poderiam ser bem mais fáceis. Os intelectuais VERDES da área do Direito seriam “uma meia dúzia” e estariam atuando apenas nas Universidades. A Legislação tenderia a ser mais rigorosa, pois aqueles que fariam as leis e as fiscalizariam, bem como os que formariam opinião da maioria do povo por meios jornalísticos e artísticos estariam operando em torno do AZUL-laranja. Law & Order, resume o que seria a prescrição desse pessoal. Certamente teríamos menos leis e um maior cumprimento das mesmas. “Lugar de criminoso é na cadeia” seria um bom lema.
Ocorre que temos a Curva da Figura 4 e quem pensa as leis e forma opinião do povo sobre como elas devem ser opera no nível VERDE. Deputados, Senadores, Juízes e Promotores idealistas criam e implementam uma legislação “Belga” (na verdade quase “Sueca”) no que se refere à direitos dos acusados e condenados, fazendo com que a massa VERMELHA acredite cada vez mais que o crime compensa. Artistas e jornalistas enfatizam esta mesma lógica na televisão e nas demais mídias on-line. É comum ouvir formadores de opinião nessa área dizendo que o Brasil deveria seguir o exemplo da Suécia e não dos EUA no que se refere à construção de prisões e condenação de réus. Meu Deus! Que Suécia? A de hoje ou a do Século XVIII? Sim porque se a Suécia hoje está preocupada em fechar presídios é porque ela os construiu durante séculos e lá colocava todos que transgrediam a lei, quando seus níveis de consciência eram aproximadamente aqueles da Curva mais alta da Figura 4! Ouve-se muito falar que punição não melhora o criminoso, especialmente se a pena for cumprida em uma cela amontoada com mais 20 presos perigosos. E aqueles que estão do lado de fora e ainda não aderiram ao crime? O que eles acham quando veem um conhecido que fez um arrastão na praia ser “absolvido por não oferecer maiores riscos a sociedade” ou o reincidente traficante e assaltante ser condenado a uma “pena alternativa”? Vale ressaltar que em nenhum momento a prescrição da SD seria maltratar presos! Muito pelo contrário! Beck e Cowan (os criadores da SD) sempre enfatizaram que a lógica POA (Politeness, Openess, Autocracy – aqui no sentido de tratar com educação, estar aberto a ouvir e assumir a responsabilidade) faz com que qualquer nível de consciência funcione de forma mais adequada. Portanto, mais do que dar a mensagem no nível adequado, dá-la com educação e cuidado a fortalece ainda mais! Portanto, teríamos, sim, é de construir muitos e muitos presídios de ótima qualidade para poder cumprir a lei e prender os criminosos de forma exemplar, para eles e para os outros. Ressalta-se aqui que a esmagadora maioria destas mentes VERDES que condena a prisão como forma de punição é absolutamente bem-intencionada! Mas ao mesmo tempo é totalmente incapaz de perceber que a maioria das pessoas que serão submetidas às suas intenções e aos suas leis e julgamentos não pensam igual a elas!
Vamos agora falar de Saúde Pública. Desde a Década de 1980 o Brasil voltou a sofrer com epidemias de Dengue e agora tem de aturar ainda a Chikungunha e Zika, sendo que esta última vem apavorando a todos em função dos casos crescentes de microcefalia. Quando falamos que o Brasil voltou a sofrer com a dengue, é porque já tivemos antes este problema e o erradicamos! Sim, Osvaldo Cruz debelou a Dengue no início do Século XX! Repetindo: início do Século XX! Como isso foi feito? Simples. Ele descobriu o ciclo da larva e criou uma força tarefa para, uma vez por semana, pulverizar todas as residências e logradouros com acúmulo de água. E quem não estava em casa ou tinha a casa vazia? Ela era invadida, pois os mata-mosquitos contavam com o apoio da justiça e da polícia. O mesmo valia para o caso de alguém estar em casa e dificultar a ação dos agentes sanitários. Reincidentes em dificultar a vida dos agentes eram presos e condenados. Sim, porque campanha educativa é ótima e funciona muito bem a partir da predominância dos níveis AZUL-laranja de consciência. Não é o caso da maioria da população nas áreas onde o mosquito faz mais e mais vítimas a cada ano. A estratégia tem de começar pelo vermelho-AZUL e com o tempo evoluir para abordagens educativas. A campanha educativa dos últimos anos é uma estratégia LARANJA-verde. Ou seja, não tem eficácia e não vai erradicar o mosquito. No início do Século XX éramos mais ANGOLA ou os EUA do Século XVIII do que hoje, pois não tínhamos tido os 50 anos em 5 de Juscelino e o Milagre Brasileiro do Regime Militar, que sedimentaram de vez a “Índia” e a “Bélgica” da nossa Figura 4. Por isso erradicamos a Dengue na década de 1920. Esse é o problema hoje!
Talvez a mais séria consequência de termos estas “duas curvas em uma” seja a “Dissonância AZUL-VERDE”, abundante nos setores produtivos de nossa economia. Nos países em que a distribuição de níveis de consciência segue a curva normal, é comum contingentes operando no AZUL serem liderados por pessoas operando no LARANJA no setor produtivo. No Brasil, tornou-se comum pessoas operando no AZUL (ou pior, no VERMELHO-azul ou no vermelho-AZUL) sendo lideradas por pessoas operando no VERDE. Isso causa uma enorme dissonância, um verdadeiro structural misunderstanding, no qual líderes VERDES se esforçam por serem mais democráticos e darem mais voz e participação a funcionários que clamam por conhecer as regras do jogo para poder desempenhar seus papéis. São incentivados a participarem da tomada de decisão enquanto o que mais gostariam era ter alguém competente decidindo por eles. Ou seja, temos líderes “Belgas” que trazem coisas que funcionam nos EUA, no Canadá e na Escandinávia para implementar na “Índia”! Ora se esse problema é gravíssimo no nível empresarial, imagina seu efeito nas demais esferas da nossa vida, especialmente na política! Embora totalmente relacionado ao que escrevi até aqui neste texto, isso é assunto para um outro artigo! O importante neste ponto é sabermos que nosso país tem solução. E a solução, com certeza passa pela Abordagem Integral e a Dinâmica da Espiral. Por isso, muitas vezes é imprescindível dar um passo atrás para poder dar dois à frente em seguida. Por isso é tão importante que mais e mais formadores de opinião que hoje operam no nível VERDE deem o salto para o nível AMARELO de consciência e passem a ter uma visão integral. Que passem a perceber que ABSOLUTISTA pensa como ABSOLUTISTA e não como PLURALISTA! E passem a planejar (e executar) suas ações levando este fato em conta! Por isso eu escrevi esse artigo e, se você chegou até aqui, espero que a leitura dele o tenha ao menos provocado neste sentido!
[1] Se você duvida do egoísmo das crianças, experimente pintar uma bola de tênis, metade de azul e metade de vermelho. Mostre essa bola para seu filho(a) ou sobrinho(a) de até cinco anos para que ele veja que a bola tem as duas cores. Depois disso coloque a face vermelha da bola virada para si e a azul virada para ele ou ela e pergunte: Qual a cor que o papai/mamãe/titio/titia está vendo?
[2] Ken Wilber e outros autores aventam o surgimento recente de mais um nível de consciência, no caso pós Turquesa, que ele denomina “Coral”.
[3] Viver em determinadas culturas onde os valores compartilhados são mais próximos de um determinado nível pode acelerar o processo de passagem por outros. Por exemplo, o caráter coletivista da cultura japonesa (e oriental de forma geral), faz com que a passagem pelas cores “quentes” e individualistas tenda a ser breve. Da mesma forma, na Escandinávia, a forte predominância de valores pluralistas e de cuidado com o próximo faz com que a passagem pelo nível laranja tenda a ser bem rápida. Por outro lado, alguns dos valores ligados ao American Way of Life tendem a retardar a passagem das pessoas no nível laranja nos EUA, impedindo sua rápida progressão ao nível verde.
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Cordeiro. José Vicente B. M. 2016. A Dinâmica da Espiral e o Problema do Brasil. Integral Works IW16002.
Disponível em: https://integralworks.com.br/noticias/iw16002.