Vivemos em uma era de modismos. Este é um fato inquestionável. Em uma época em que uma mentira mal calculada dita por um nadador americano à uma rede de televisão vira caso de polícia durante as Olimpíadas do Rio e ganha as manchetes dos quatro cantos do globo em poucos minutos, somos todos tremendamente influenciados pelo hype do momento. A Gestão das Organizações está longe de ficar alheia a este fato e a cada dia nova abordagens autoproclamadas como as mais eficazes em suas áreas ganham o cenário das palestras, da mídia especializada e do mercado editorial. O comportamento dos líderes empresariais tem estado sob uma constante lente de aumento, dando origem a diversas abordagens contemporâneas sobre qual seria o tipo de liderança mais eficaz.
Saímos de uma era de líderes autocráticos, carismáticos e centralizadores, para o novo mundo da liderança democrática. Daí emendamos para o líder “visionário”, o líder “servidor”, o líder “inspirador”, o líder “executor” e assim por diante. No fundo, e de forma atemporal, o melhor líder é aquele que consegue de si e de seus liderados o melhor que podem dar. É de se esperar, portanto, que a forma de se conseguir este “melhor” venha mudando com o passar das gerações. Eu podia começar este artigo enfatizando os comportamentos característicos do líder integral, que aproveita o foco no contexto típico da liderança situacional para calibrar qual a abordagem de liderança mais adequada para uma determinada estratégia e perfil dos liderados, unindo-o com o foco no desenvolvimento da equipe, típico do líder transformador. Além disso, poderia enfatizar o fato de o líder integral agir de forma a exercer seus diferentes papéis (gestor, líder, pai ou mãe, esposo ou esposa, etc..) sem deixar de ser a mesma pessoa, coerente com seus valores e crenças. Mas ao invés de focar em comportamentos, vou preferir enfatizar justamente aquele algo que vem antes do comportamento: as atitudes. Nossas atitudes são, sem sombra de dúvida, os grandes drivers dos nossos comportamentos. Elas derivam de nossos valores. Entretanto, não é raro encontrar líderes se comportando de forma contrária aos valores que defendem. Isso advém, na maior parte das vezes, de um foco excessivo no “o que fazer”, em detrimento do “como fazer”. Para resolver esta inconsistência, nada melhor do que cultivar atitudes saudáveis diante do trabalho e da vida, deixando que nossos comportamentos derivem destas atitudes.
Então vamos as cinco atitudes de um líder que pretende ser integral. Para defini-las, baseei-me, entre outras abordagens, nas três atitudes da liderança consciente de Fred Kofman (apresentadas no seu livro “Conscious Business”) e nas sete virtudes aplicadas a liderança de Kolp e Rhea (apresentadas no livro “Character-Based Leadership”), mas também na minha experiência como gestor, consultor e facilitador de programas de desenvolvimento de lideranças. São elas: i) Propósito; ii) Accountability; iii) Integridade; iv) Humildade e v) Veracidade.
O ponto de partida da liderança integral é o Propósito. Para praticar uma atitude de propósito é preciso defini-lo previamente. O propósito equivale para nós, seres humanos, à missão das organizações. Assim como a missão organizacional deve ser a razão da existência da mesma, o nosso propósito deve ser a nossa razão da existência. Então a pergunta fundamental é “qual o principal objetivo da minha vida?” ou “o que eu quero fazer dela?”. Logicamente, a segunda questão é: “Por que eu quero o que eu quero?” Colocar estas questões de forma sequencial pelo menos cinco vezes irá lhe conduzir à uma missão de significado, que deverá transcender suas necessidades mais imediatas e apresentar um papel de contribuição para a comunidade, a sociedade ou o mundo. Entretanto, não espere que sua primeira definição do propósito soe perfeita em sua primeira tentativa. Isso não vai ocorrer. Como dizia Mark Twain, os dois dias mais importantes na vida de uma pessoa são o dia em que ela nasce e o dia em que ela descobre porque nasceu. Esta descoberta não irá se dar na primeira vez em que você refletir sobre isso! Mas vale a pena começar!
Uma vez definido o seu propósito, sua atitude deve ser a de constantemente questionar se seus pensamentos e ações estão alinhados ao mesmo. E isso dá origem a duas ações. Primeiro, lembrar que muitas das atividades aparentemente chatas que desempenhamos são parte essencial do propósito. Aqui vale lembrar do pedreiro que assentava tijolos e que quando questionado sobre o que fazia, respondeu: “Estou construindo uma catedral”. Isso, por si só, dá valor e significado às atividades mais “chatas”, burocráticas e repetitivas que não gostamos de desempenhar, mas temos de fazê-lo. Em segundo lugar, o propósito deve servir como um guia de suas iniciativas de melhoria em todas as áreas de sua vida. De alguma forma as mudanças que eu introduzo em minha vida pessoal e no meu trabalho devem facilitar o processo de concretizar o meu propósito no longo prazo. O propósito deve ser a base para o nosso “kaizen” diário. Mais uma vez é importante lembrar de atualizarmos nosso propósito de tempos em tempos. Só assim vamos chegar àquele dia tão importante quanto o do nosso nascimento!
Quando partimos para a ação guiados por nosso propósito, precisamos desenvolver uma atitude de “Accountability”. Eu poderia tentar traduzir este termo como “Responsabilidade Incondicional”, como fez Kofman, mas prefiro deixar em inglês em função de seu significado mais amplo do que o de “Responsabilidade”. A atitude que precisamos desenvolver é a de sermos totalmente e integralmente responsáveis por nossas decisões, tenham sido elas conscientes ou não. É o famoso “be accountable for” dos americanos. É ter uma atitude de “não tirar da reta”, o que implica em parar de “terceirizar” a responsabilidade pelos nossos maus resultados. Não tem essa de “foi a economia”, “minha equipe não deu conta”, etc.. Líderes devem delegar autoridade, nunca a responsabilidade. Aliás, “Responsabilidade” vem do inglês: response-ability, ou seja, habilidade de resposta. Um líder integral tem de saber quando realmente tem condições de assumir a responsabilidade por um determinado resultado. Sempre que os desafios superam nossa capacidade de resposta (e a de nossas equipes), temos de ter a coragem de dizer “não”! Essa é uma das questões fundamentais para garantir o processo de mudança de “vítima das circunstâncias” para o de “senhor de seu destino”.
Qual deve ser o nosso limite no que se refere e assumir responsabilidades? Nossos valores! Um líder integral tem de ser íntegro. E a integridade implica em agir de acordo com nossos valores e os valores das organizações em que atuamos. Percebam que aqui se coloca um potencial empecilho a muitos líderes, uma vez que pode haver contradição entre os valores pessoais de um líder e os da organização em que ele atua. Quando este são realmente irreconciliáveis, o líder integral deve deixar a posição de liderança, sob pena de perder sua autenticidade, que é o comportamento decorrente de uma atitude de integridade. Aliás, líderes íntegros têm como principal característica o conhecido “walk the talk”: eles agem de acordo com seus valores e só exigem dos outros coisas que eles próprios praticam. Agir com integridade transfere o foco dos resultados para o processo. A ação torna-se uma verdadeira obra de arte, pois muitas vezes não é tão simples conciliar todos os valores envolvidos. E o resultado torna-se consequência de uma ação íntegra. Quando cultivamos as atitudes de “Accountability” e “Integridade”, criamos um ambiente propício para a confiança mútua. Tanto nas organizações quanto na vida pessoal e familiar, este ambiente torna o tempo e a energia gastos com o desenvolvimento de mecanismos de controle totalmente dispensável, permitindo sua realocação para atividades diretamente ligadas ao nosso propósito e as missões de nossas organizações. Então as equipes na empresa se voltam para atender os clientes e os pais para a educação e a convivência.
Quando falamos de Humildade e pedimos que a maioria das pessoas mencione o seu oposto, na maioria das vezes ouvimos coisas como “riqueza” ou “abundância”. Não é deste significado de humildade que falamos aqui. A humildade, enquanto uma atitude é o oposto da arrogância. O líder integral deve ser humilde no sentido de considerar que não é dono da verdade em relação às diversas áreas de conhecimento envolvidas no seu papel. Assim, opiniões divergentes da sua devem ser consideradas oportunidades de apreciar os problemas por uma perspectiva diferente e, eventualmente, permitir soluções inovadoras e surpreendentes. Em suma, a atitude de humildade equivale a estar permanentemente aberto a aprender com as situações que se apresentam, especialmente com as opiniões divergentes. Como menciona Fred Kofman, significa buscar o aprendizado mútuo ao invés do controle unilateral. Entretanto, para que os outros, especialmente nossos liderados, queiram compartilhar conosco suas posições contrárias às nossas, precisamos prestar muita atenção à diferença existente entre fatos e opiniões e manifestar estas últimas realmente como tal, e não travestidas de fatos. Troca-se o “ não confiamos em você porque sua equipe não entrega” por “não sei se podemos confiar em você neste projeto porque nas últimas vezes sua equipe atrasou a entrega”. Uma atitude de humildade impede que nossos interlocutores ergam as barreias que impedem a comunicação efetiva.
Por fim, a atitude mais difícil de todas, a que exige mais prática e esforço, mas que, felizmente, começa a acontecer naturalmente como consequência da prática das quatro atitudes anteriores: Veracidade. Agir com veracidade significa ser sincero consigo mesmo e com os outros. O ponto de partida para a veracidade é a aceitação da realidade como ela é, algo fortemente relacionado com a auto sinceridade. Muitas pessoas questionam a atitude de aceitação como sendo o oposto da busca pela melhoria e pela inovação. Mas o que ocorre é justamente o contrário. Quando aceitamos as coisas como elas são, liberamos espaço em nossas mentes e energia em nosso corpo e espírito para tratar dos problemas que nos afligem e afligem nossas empresas. Paramos de gastar tempo e energia na criação de histórias auto enganadoras. Além disso, conhecemos qual o real problema que temos de enfrentar. E mantendo as quatro atitudes anteriores, multiplicamos várias vezes as chances de sermos bem-sucedidos em nossa empreitada.
Para finalizar, deixo aqui um convite a você, que exerce o papel de liderança em sua organização, em sua família ou entre seus amigos: cultive de forma reflexiva e questionadora estas atitudes de forma intencional, antes de agir com os outros e mesmo sozinho (lembrem que a atitude precede o comportamento)! No início, pode parecer que isso vai complicar as suas tomadas de decisão. Com o tempo você verá que ocorre justamente o contrário. As coisas vão tornando-se mais e mais simples, aumentando de forma sensível sua capacidade de tomar boas decisões e atuar na sua implementação.
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Cordeiro. José Vicente B. M. 2016. As Cinco Atitudes do Líder Integral. Integral Works IW16003.
Disponível em: https://integralworks.com.br/noticias/iw16003.