Nos últimos 12 anos tenho dedicado grande parte do meu tempo ao desenvolvimento de lideranças, seja por meio de Programas de Educação Executiva (abertos ou In Company), cursos de MBA e Pós-Graduação e sessões de coaching individualizadas. Minha vivência anterior com a abordagem integral de Ken Wilber, focada no meu próprio desenvolvimento pessoal e profissional, bem como a aplicação desta abordagem na solução de problemas das organizações como consultor, me levaram a desenvolver, junto com colegas da FAE Business School, uma abordagem integral para o desenvolvimento de líderes, incialmente materializada no ILP – Integral Leadership Program. Meu objetivo com este artigo é apresentar os principais pontos desta abordagem e mostrar como ela contribui para o desenvolvimento de lideranças mais humanizadas e, consequentemente, para organizações mais efetivas e capazes de atender às demandas da sociedade.
O Líder Integral
Inicialmente, preciso responder a uma pergunta fundamental, que ouço frequentemente no começo dos programas que coordeno e facilito: afinal, o que é Liderança Integral? Minha resposta a ela foca na ação do líder: “é a liderança praticada pelos líderes integrais”. Mas então quais seriam as características de um líder integral? De acordo com a nossa abordagem, um líder integral conjuga simultaneamente três aspectos que distintivos.
Primeiramente, os líderes integrais buscam desenvolver níveis mais complexos de consciência. Para isso, eles ou elas precisam estar constantemente trabalhando sobre um tópico que seja um blind spot, um ponto fraco como líder, que se manifeste tanto na vida profissional quanto na vida pessoal. Com base nas abordagens de Kegan & Lahey e do Integral Coaching Canda, nós chamamos este tópico de “desafio perfeito”, justamente por ser algo que:
I) gera incômodo no líder, em seus líderes e liderados (e consequentemente, à organização) e aos seus relacionamentos pessoais, sendo a mudança de comportamento mais importante a ser feita agora;
II) já foi trabalhado anteriormente por meio de cursos e leituras, mas os resultados não foram satisfatórios;
III)é capaz de levar o líder aos limites de seu nível atual de consciência;
IV) que haja apoio suficiente para que o líder não desista de enfrentá-lo.
A segunda característica distintiva de um líder integral diz respeito à forma como lidera. Líderes integrais são, simultaneamente, situacionais e transformacionais. Ou seja, o acesso a níveis de consciência mais complexos permite a identificação da forma de pensar de seus liderados, pares e líderes, calibrando a comunicação de forma que as mensagens sejam captadas da maneira mais adequada, motivando e engajando suas equipes. Assim, liderados que operam predominantemente como diplomatas (visão de mundo tradicional), demandarão um foco maior em regras claras e instruções detalhadas que direcionem sua ação. Por outro lado, os que estão no nível realizador (visão de mundo moderna) irão demandar desafios constantes e metas claras e ousadas, com “premiações” individuais pelo seu desempenho. E os que operam no nível pluralista (visão de mundo pós-moderna) exigirão do líder integral um foco maior de escuta e mais espaço para expor suas vulnerabilidades, com foco no desenvolvimento da equipe. Mas não basta ser situacional. O líder integral deve buscar o desenvolvimento constante de suas equipes. Para isso, ele deve ser capaz de demandar “desafios perfeitos” dos seus liderados, criando lacunas que gerem dissonâncias e os tirem da zona de conforto, atuando como coach e mentor em seu processo de desenvolvimento.
Por fim, a terceira característica de um líder integral diz respeito a integralidade de seu ser e de sua forma de atuar. Líderes efetivamente integrais devem ser capazes de uma atuação que vá muito além da racionalidade instrumental, ainda prevalente em nossas organizações. A incorporação de uma racionalidade substantiva, que permita o engajamento das dimensões emocional, interpessoal e espiritual, além da dimensão cognitiva, é um aspecto fundamental no processo de humanização da liderança.
Líderes integrais têm um propósito evolutivo para si, suas equipes e organizações (espiritual), desenvolvem relacionamentos autênticos e saudáveis dentro e fora do trabalho (interpessoal) e estão constantemente questionando a si próprios e aos outros sobre seus sentimentos em relação ao que acontece ao seu redor (emocional). Sem esquecer de cuidar do lado físico, enfatizando a prática de exercícios e a alimentação consciente e saudável. Também nos baseamos na abordagem de Stewart Friedman para promover a integração das 4 dimensões de nossas vidas: self, família, trabalho e comunidade. A ideia aqui não é tentar aumentar o número de horas do dia para ser um “super-homem equilibrado”, mas encontrar sinergias entre as dimensões. Se eu vou treinar com meus filhos, estou engajando simultaneamente duas dimensões: self e família. Se instituo um programa de meditação diária com minha equipe, estou potencializando ao mesmo tempo meu self e meu trabalho.
Desenvolvendo Líderes Integrais
Venho utilizando alguns modelos distintos para o desenvolvimento de lideranças integrais nos últimos anos. Tudo depende de quem está buscando a liderança integral (o líder individualmente ou sua organização) e quanto tempo e recursos está disposto a investir. Mas, em geral, nossos programas corporativos envolvem três aspectos: i) sessões de coaching integral, focadas no “desafio perfeito” individual do líder; ii) imersões com workshops, vivências e compartilhamento de experiências; iii) Projetos de mudança organizacional.
O processo de coaching e mentoring que desenvolvemos baseia-se no conceito de “imunidade à mudança” de Kegan e Lahey e na metodologia do Integral Coaching Canada. Um “desafio perfeito” bem definido irá demandar ao menos cinco sessões individuais. Em geral, a primeira sessão tem como objetivo compreender o momento vivido pela pessoa e ajudá-la a explorar diferentes possibilidades para o seu “desafio perfeito”. A ideia é que o líder traga o seu “desafio perfeito’ validado com sua equipe, pares, líderes e relacionamentos pessoais próximos para a segunda sessão, na qual definimos juntos uma hipótese inicial para o jeito atual de ser do líder em relação ao seu desafio. Esta hipótese inclui os comportamentos que se pretende mudar (jeito atual de agir), os valores que constituem suas “lentes” para enxergar a situação (seu jeito atual de ver a situação) e os pressupostos mais profundos que reforçam os seus valores e comportamentos atuais (seu jeito atual de verificar se as coisas “vão bem”), bem como os comportamentos que se deseja implementar, os novos valores a serem desenvolvidos e seus novos pressupostos. Em nossa abordagem, a prática do journaling é fundamental a partir deste ponto, quando o líder fará o exercício de auto-observação (SOE), para validar a hipótese a respeito do seu jeito atual de ser e tornar-se conscientemente imune à mudança pretendida. Transformar valores e pressupostos subjetivos em fatos objetivos na mente do líder é o primeiro passo de uma mudança efetivamente integral, transcendendo e incluindo o “eu” anterior. O processo de mudança propriamente dito é conduzido a seguir, e implica no “fatiamento” do novo comportamento referente ao “desafio perfeito”, com sua implementação gradual, sempre acompanhada de reflexões e journaling. Ao final da quinta sessão, o líder torna-se conscientemente liberto. Entretanto, a consolidação deste novo comportamento como default (tornar-se inconscientemente liberto) irá demandar um maior tempo de prática, com a identificação de pontos de captura e meios de escape.
Em paralelo a este processo, ocorrem as imersões. Nelas, trabalhamos com diversas metodologias, como a Teoria “U”, os quatro quadrantes e os níveis de consciência, em meio a muita meditação, yoga e caminhadas na natureza. Na primeira imersão os líderes refletem sobre o seu propósito de vida e “mergulham” nas cinco atitudes do líder integral (propósito, autorresponsabilidade, integridade, humildade e veracidade), que servirão de base para os comportamentos dos “desafios perfeitos”. Além disso, fazem o assessment de níveis de consciência e recebem a devolutiva. As demais imersões trabalham tópicos de suporte aos “desafios perfeitos” (por exemplo, comunicação não violenta, feedbacks efetivos, etc..), com o compartilhamento dos desafios e dos projetos de intervenção organizacional, o terceiro pilar fundamental da abordagem.
Neste terceiro pilar, os líderes conduzem um projeto de mudança em suas organizações, se valendo do modelo Integral Works de Gestão Estratégica Integral, baseado no “Spiral Wizardry” de Beck e Cowan. Assim fechamos um ciclo de desenvolvimento, após o qual espera-se a superação do desafio perfeito de cada líder, com o desenvolvimento de níveis de consciência mais complexos e uma liderança mais humanizada, mas ao mesmo tempo mais assertiva, promovendo melhores resultados para suas organizações e transformando-as em ambientes onde as pessoas buscam não apenas o seu crescimento profissional e o seu sustento, como também oportunidades de crescer como seres humanos.
REFERÊNCIAS:
BECK, D.; COWAN, C. C. Spiral Dynamics: mastering values, leadership and change. Malden: Blackwell Publishing, 2007.
CORDEIRO, J.V.B.M; LAMOGLIA, L.B.; CRUZ FILHO, P.R.A. Liderança Integral: a evolução do ser humano e das organizações. Petrópolis: Editora Vozes, 2019.
FRIEDMAN, S. D. Total Leadership: Become a Better Leader, Have a Richer Life. Boston: Harvard Business Review Press, 2014.
KOFMAN, F. Conscious Business: How to build value through values. Boulder: Sounds True, 2006.
KEGAN, R.; LAHEY, L. L. An Everyone Culture: Becoming a Deliberately Developmental Organization. Boston: Harvard Business School Publishing, 2016.
KEGAN, R.; LAHEY, L. L. Imunidade à Mudança: libere seu potencial de desenvolvimento e faça sua equipe e sua empresa crescerem. Rio de Janeiro: Alta Books, 2017.