Se você leu o meu artigo da semana passada, já entendeu a razão pelas quais algumas mudanças são tão difíceis de serem implementadas, sejam na nossa vida pessoal ou em nosso trabalho como líderes no mundo corporativo. Meu objetivo com este artigo é possibilitar que você leitor, a partir desta compreensão, seja capaz de planejar a tão desejada mudança para, em seguida, implementá-la. O ponto de partida para este trabalho é a identificação do que eu chamo de seu “desafio perfeito” ou, nas palavras de Bob Kegan, de Harvard, o seu “conflito ideal”.
Para que possamos considerar uma mudança por nós almejada como sendo um “desafio perfeito”, ela precisa atender a quatro requisitos básicos: i) ser um incômodo persistente; ii) ser capaz de nos levar aos limites da nossa forma atual de pensar (ou do nosso nível de consciência atual); iii) estar relacionada a uma área da nossa vida que seja bastante importante para nós; iv) que seja possível termos apoio suficiente para que não nos sintamos “overwhelmed” pelo desafio e não tentemos evitá-lo, fugindo do mesmo.
O primeiro ponto diz respeito principalmente ao número de tentativas já realizadas para implementar tal mudança. Desafios perfeitos referem-se, por definição, a mudanças que já foram tentadas antes, sem que tenhamos logrado êxito. De preferência, tentamos fazer a tal mudança por mais de uma vez, se valendo de abordagens diferentes. Este é o caso de alguns executivos com os quais venho trabalhando em Programas de Coaching ou de Desenvolvimento de Lideranças que desejam, por exemplo, tornarem-se Líderes-Coaches, focando o desenvolvimento de seus liderados, principalmente enquanto líderes, algo fundamental para aqueles que ambicionam avançar no pipeline da liderança, liderando líderes, negócios e empresas. Na grande maioria das vezes, eles tentaram fazer a mudança em sua abordagem de liderança por meio da leitura de diferentes livros sobre o assunto e frequentando cursos e workshops na área, sem terem conseguido consolidar a mudança. Em geral, o fato de seus liderados não aparentarem se desenvolverem e continuarem com as mesmas dificuldades em determinadas áreas evidencia o seu fracasso, desde o diagnóstico sobre quais as habilidades eles precisariam desenvolver até a forma pela qual deveriam fazê-lo. E a persistência deste desempenho limitado em suas equipes e algumas dimensões sinalizavam, continuamente, que eles não estavam sendo efetivos como líderes-coaches, sendo fonte de frustração permanente!
Para entrarmos no segundo requisito, será necessário retomar brevemente a diferença entre mudança vertical e mudança horizontal. A maioria dos esforços empenhados pelos líderes que dei como exemplo no parágrafo anterior foram esforços horizontais. Eles leram em livros e assistiram em workshops e treinamentos que precisavam introduzir uma lista de novos comportamentos. Treinaram estes comportamentos em role-plays nestes eventos. E então, focaram todo o seu esforço na implementação destes comportamentos. Muitas vezes chegaram a iniciar processos de coaching para realizar a desejada mudança, mas acabaram abandonando as iniciativas diante da ausência de resultados. Ora, se estes líderes já tivessem a estrutura mental, o nível de consciência ou as habilidades “adaptativas” necessárias para atuarem como líderes-coaches, ter conhecido os comportamentos a serem implementados e focado na sua incorporação lhes teria sido suficiente para lograr sucesso em sua mudança. Mas, certamente, eles não tinham as estruturas de pensamento necessárias para tal. E, por isso, acabaram fracassando. Aqui, novamente, é fundamental que o desafio perfeito se refira a um objetivo que já foi tentado mais de uma vez, de preferência se valendo de abordagens e técnicas diferentes e com grande empenho, como no caso ilustrativo dos líderes acima. Só assim perceberemos que a mudança em questão é/foi capaz de nos levar aos limites da nossa forma atual de pensar (ou do centro de gravidade atual da nossa consciência), sendo esta uma percepção ao mesmo tempo racional e emocional ou, como gosto de dizer, com os “guts”!
O terceiro requisito tem a ver com a motivação para a mudança. Pelos dois requisitos anteriores, já sabemos que estamos falando de um trabalho árduo de mudança, capaz de nos tirar da zona de conforto e de fato nos levar para bem longe dela! Para conseguir desejar fazer uma mudança mesmo depois de muito esforço empreendido e algumas tentativas fracassadas, é preciso que esta mudança seja realmente importante para nós. E aqui é necessário deixar bem claro que eu não vou apresentar nenhuma “mágica” para finalmente concretizar algo desejado e que se vem tentando há tanto tempo com pouco ou nenhum esforço. A abordagem que eu vou apresentar vai te exigir muito esforço e dedicação, tanto quanto ou mais do que antes, mas as chances de sucesso serão potencializadas por estarmos levando em conta que uma nova forma de pensar a respeito da questão deverá ser desenvolvida. E por isso mesmo, será necessário desejar a mudança com todas as suas forças para persistir até a sua concretização. Para os líderes que mencionei antes, conseguir atuar como líderes-coaches era absolutamente fundamental para o progresso da carreira executiva deles. Para outros com os quais trabalhei e estavam assumindo posições de liderança pela primeira vez em suas carreiras, ser capaz de delegar era crucial. Para um terceiro grupo, o maior desafio era conseguir dar um feedback assertivo no dia a dia. Para muitos outros, aprender a gerenciar adequadamente suas emoções poderia ser a diferença entre um casamento resgatado ou um divórcio, um emprego “dos sonhos” que “entra nos trilhos” ou uma demissão. Neste ponto, Kegan & Lahey (2009), Beck & Cowan (1996) e Crook-Greuter (2010), entre outros, concordam que tópicos pouco relevantes para aqueles que terão de conduzir a mudança jamais se constituirão em desafios perfeitos que demandem e/ou provoquem uma mudança na forma de pensar. Aqui é importante mencionar que isso inclui a importância do tópico não apenas para a pessoa que quer mudar, mas também para a organização na qual ela trabalha. De nada adianta uma gerente executiva resolver se tornar uma líder-coach em seu trabalho e o seu diretor ou líder direto não perceber a importância disso para ela e para a organização. Se a pessoa quer muito mudar, mas a organização na qual ela trabalha não considera a mudança em questão importante, acabaremos falhando no próximo requisito, pois irá faltar apoio ao processo de mudança.
E então chegamos no quarto e último requisito do “desafio perfeito”. Ora, se ele deve ser algo superimportante para nós (ou para nossa equipe ou organização), que tentamos resolver por muitas vezes sem sucesso, nos valendo de abordagens distintas e muito esforço, é preciso contarmos com apoio qualificado para implementá-lo. Este apoio qualificado inclui desde um eventual processo de mentoria e/ou coaching, assim como o acompanhamento por parte dos responsáveis pelas equipes, áreas ou negócios nos quais o “desafio perfeito” será implementado. Quando os três requisitos anteriores são atendidos, os dados referentes à necessidade de mudar (disconfirming data) vencem a nossa negação e as nossas defesas e chegam à nossa mente, produzindo o que Ed Schein chamou de survival anxiety. Ela é um sintoma, um aviso de que estamos desconfortáveis e reconhecemos a necessidade de mudar, deixando de lado antigos hábitos e formas de pensar. Mas na hora em que aceitamos que temos de mudar e nos preparamos para engajar no processo de mudança, percebemos que o aprendizado dos novos comportamento que precisamos implementar pode ser difícil e as novas atitudes, valores e formas de pensar podem ser complicados de aceitar, caracterizando o que Schein chama de learning anxiety. De acordo com Schein (2009), para que a mudança se concretize, a ansiedade de sobrevivência tem de ser maior que a ansiedade do aprendizado. E a forma pela qual se deve buscar esta condição é por meio da redução da ansiedade do aprendizado (e não aumentando a ansiedade de sobrevivência). Para isso, será preciso tolerar erros. Questionar. Capacitar. Fazer coaching e mentoring. Dar feedback. E, por fim, ter estruturas organizacionais adequadas à mudança desejada. Ou seja, criar segurança psicológica!
É muito importante frisar que o processo de definição de um “desafio perfeito” não é nenhuma abordagem transcendental ou “mágica”. Por mais que nos orientemos pelos 4 requisitos descritos acima, somente será possível saber se a mudança em questão era realmente um desafio perfeito depois que o processo for concluído. Se estivermos diante de um ”desafio perfeito”, os insights gerados durante a implementação da mudança não irão apenas possibilitar a concretização e consolidação da mudança almejada. Eles irão possibilitar a resolução de diversos outros problemas e a promoção de diversas outras mudanças que virão “por tabela”, uma vez que o centro de gravidade da consciência da pessoa em questão passou a estar em um novo nível. A pessoa irá perceber que está enxergando o mundo de uma nova forma e terá a sensação de lidar mais facilmente com questões com as quais “se batia” antes. É justamente a resolução de diversos outros problemas que fornecerá a grande evidência de que estávamos o tempo todo tratando realmente de um desafio perfeito. Irei retomar esta questão no último artigo desta trilogia, quando enfatizarei o processo de mudança em si.
Uma vez definido qual o nosso “desafio perfeito”, o próximo passo é mapear as imunidades à mudança referentes ele. Keegan e Lahey (2009) definem a imunidade à mudança como um conjunto de compromissos ocultos que se opõem à mudança desejada. Estes compromissos são alimentados por grandes pressupostos relacionados à forma como a pessoa, a equipe ou a organização enxergam a mudança proposta ou a questão endereçada por ela, ou seja, como enxergam o seu “desafio perfeito”. A Figura 1 mostra o mapa da imunidade de uma Gerente Técnica (que aqui vamos dar o nome fictício de Andréa) que acaba de ser promovida a Gerente Geral de uma Unidade de Prestação de Serviços e precisa aprender a delegar as atividades sob sua responsabilidade de forma efetiva.
Na primeira coluna temos a descrição da mudança que ela quer implementar, ou seja, o seu desafio perfeito. Desde que assumira a Gerência Técnica (seu primeiro cargo de liderança) três anos antes da nova promoção, Andréa vinha empreendendo vários esforços no sentido de delegar mais, aceitar formas de pensar diferentes da sua e dar feedbacks mais assertivos. Entretanto, àquela altura, Andrea sabia que não tinha evoluído muito e tanto ela quanto o seu diretor que a estava promovendo concordavam que ela precisava fazer mudanças nestas questões para ser bem-sucedida na nova posição. A ideia é que a primeira coluna seja preenchida com todos os comportamentos que precisam ser promovidos para que a mudança desejada se concretize (ou que o “desafio perfeito” seja superado). Este processo deve ser conduzido em duas etapas. Incialmente a ideia é conduzir um brainstorming. Neste ponto, ouvir os seus líderes, pares ou liderados pode ajudar bastante. Em seguida passa-se a uma fase de consolidação de informações, dando um aspecto de “desafio perfeito” à mudança, caracterizando o “novo jeito de ser” desejado, ou em inglês, o new way of being (NWB) em relação à questão, de acordo com a abordagem do Integral Coaching Canada (Hunt, 2009). Para Andrea, o seu desafio perfeito é conseguir delegar de forma efetiva para ser bem-sucedida como Gerente Geral, cujos comportamentos incluem todos os itens listados na primeira coluna.
A segunda coluna caracteriza o seu jeito atual de agir em relação à questão, que na abordagem do Integral Coaching Canada constituiria o Current Way of Going do seu Current Way of Being (CWB). A ideia aqui é listar tudo aquilo que fazemos hoje e queremos mudar, em relação ao “desafio perfeito”. Novamente, conversas francas com seu líder, pares ou liderados com os quais tenha uma relação mais aberta poderão ajudar bastante no preenchimento. Sugere-se pegar cada item do novo comportamento que se deseja implementar e se questionar “o que eu venho fazendo hoje no lugar disso?”. Andréa fez exatamente isso e conseguiu listar todos os comportamentos que deseja mudar, acordando a lista com seu diretor.
A terceira coluna, por sua vez, deverá exigir uma profunda reflexão. A pergunta a ser respondida aqui é: “Por que eu faço o que eu faço, do jeito que faço? “. Quais são as motivações que impedem que eu haja de acordo com a primeira coluna e fazem com que, atualmente, eu acabe agindo de acordo com o que aparece na segunda coluna? Preencher a terceira coluna significa revelar os valores que estão por trás da nossa forma de agir, fazendo emergir nossos receios, desejos e necessidades. Sinceridade aqui é tudo e o auxílio de um mentor ou coach é crítico para o sucesso desta etapa pois, em geral, precisamos das perguntas certas para revelar nossas motivações mais profundas. A terceira coluna revela “as lentes” por meio das quais “enxergamos” a situação. É muito importante perceber que nós “enxergamos através delas”, mas até aqui não conseguimos vê-las. Ou seja, a coluna três deverá ser preenchida com elementos que até o momento da reflexão estavam totalmente imersos na nossa subjetividade. A esta altura, Andrea pode contar com a mentoria de Ricardo, um colega dela no início de sua carreira, que trilhara uma carreira de sucesso bem precoce como executivo e assumira o posto de CEO de uma multinacional. Ricardo ajudou Andrea a entender todos os seus valores e motivações ocultos por trás de seus comportamentos, os quais ela listou na coluna 3 da Figura 1.
Finalmente, é a quarta coluna do nosso mapa de imunidade à mudança que vai nos mostrar quais são os grandes obstáculos à implementação do novo comportamento desejado. O fato é que por trás dos compromissos e valores ocultos que caracterizam o nosso Current Way of Seeing da terceira coluna, existem pressupostos ainda mais profundos relacionados ao nosso CWB e ao nosso nível de consciência relacionados ao tópico em questão e que validam o nosso comportamento atual, caracterizando o Current Way of Checking da abordagem do Integral Coaching Canada. São os elementos da quarta coluna que fazem com que, ao invés de promover a mudança, acabemos por impedi-la, reforçando a manutenção do status quo. Junto com Ricardo, Andrea preencheu a sua quarta coluna e ficou bastante chocada ao perceber que fora ela mesmo, inconscientemente, que sabotara seus próprios esforços de mudança até então. Ao concluir o processo, Andrea validou com o seu diretor seu mapa de imunidade e se preparou para, desta vez, conseguir mudar o seu comportamento e agir como uma verdadeira líder.
Figura 1: Exemplo de Mapeamento de Imunidade à Mudança Individual. Fonte: Elaborado pelo autor com base em Kegan & Lahey (2009) e Hunt (2009).
Com base no Mapa da Imunidade de Andréa na Figura 1 e nas sessões de mentoria que ela teve com Ricardo, foi possível inferir que o centro de gravidade da forma de pensar dela com relação ao tópico estava na transição entre os níveis de consciência AZUL e LARANJA (que chamamos de AZUL-laranja ou azul-LARANJA; ver figura 3 do meu artigo da semana passada no que se refere ao tópico em questão). Na abordagem de Kegan (1998), este nível equivale a transição entre a mente socializada e a mente autoral. Por outro lado, Cook-Greuter (2010), em sua teoria do desenvolvimento do ego (Ego Development Theory), classifica esta transição como um nível distinto, que ela denomina Expert. Neste nível, a pessoa tende a apresentar ainda diversas características do nível anterior (Conformista / Tradicional / AZUL) ou mente socializada, como por exemplo, a preocupação em atender supostas expectativas do grupo para se sentir aceita. Como uma Expert clássica, Andréa estava apegada a necessidade de comprovar sua competência técnica para ser vista como uma líder autêntica pelos seus liderados, e temerosa de que, ao desistir de realizar as atividades mais importantes da sua área para que seus liderados as realizassem, a qualidade do resultado ficasse comprometida. Além disso, ela ainda tendia a ver o trabalho “técnico” como sendo mais “nobre” ou importante que o “gerencial”, tendendo a perceber a maioria das conversas com seus liderados como “perda de tempo” (Pensando: “Eu podia estar resolvendo o problema de forma mais rápida”).
É importante perceber que para chegar a este ponto, tendo seu mapa de imunidade completo e validado tanto pela pessoa que deseja / precisa mudar quanto pelos seus líderes / mentores é necessária uma elevada dose de sinceridade consigo mesmo, bem como uma genuína abertura em expor nossas vulnerabilidades. Isso faz com que muitas empresas e pessoas cujos centros de gravidade estejam em AZUL (Conformist; visão de mundo tradicional, mente socializada) tenham dificuldade para utilizar o método, uma vez que as culturas vigentes são fortemente baseadas em controle (e repressão) de opiniões, sentimentos e emoções. Ou seja, para funcionar nestes ambientes é preciso ter como patrocinador da iniciativa um líder e/ou mentor que opere a partir de LARANJA (Achiever, visão de mundo moderna, mente autoral), de preferência com o centro de gravidade em VERDE (Pluralist-Individualist, visão de mundo pós-moderna, transição da mente autoral para mente autotransformadora) ou AMARELO / TEAL (Strategist, visão de mundo integrativa, mente autotransformadora).
Todo o mapeamento de imunidade feito com a Andréa pode ser feito também com equipes, departamentos e unidades de negócios de uma empresa. O processo de seleção do desafio perfeito passa pelos mesmos critérios, tendo apenas que serem “traduzidos” para uma abordagem organizacional: i) ser um incômodo persistente ou seja, ser um problema que a equipe ou a empresa deseja resolver há muito tempo, já se valeu de muitas tentativas “técnicas” (consultorias, treinamentos, novas metodologias, novos softwares, etc..), mas não conseguiu resolver; ii) ser capaz de levar a equipe aos limites da sua forma atual de pensar, ou seja, nitidamente a solução para o problema precisa estar fora do alcance da cultura organizacional atualmente vigente – é necessária uma mudança cultural vertical, adaptativa ou translativa; iii) ser crucial para a consecução das estratégias da organização – sem ela os objetivos de longo prazo não serão alcançados; iv) que a alta liderança esteja comprometida com a mudança e promova apoio suficiente para que os times não se sintam “overwhelmed” e não desistam ou, mais frequente, optem por implementar uma mudança “cosmética” e superficial. Mais do que nunca, neste ponto é preciso enfatizar a necessidade de se criar segurança psicológica e começar por um piloto ou protótipo (no caso de uma unidade de negócio ou organização) para aprender o que funciona melhor e o que não funciona antes de ampliar o esforço para as demais áreas da unidade de negócio ou organização.
O processo de construção do mapa da imunidade de uma coletividade deve ser conduzido por meio de workshops com participação do maior número de envolvidos possível. Quando se trata de uma mudança organizacional mais ampla em termos de abrangência, todos os líderes de áreas e equipes devem participar. É importante o sponsorship do líder, bem como sua participação ativa na maior parte do processo. Em alguns momentos, pode ser que a presença dos líderes iniba os liderados, especialmente no caso de culturas com centro de gravidade em AZUL ou AZUL-laranja. É crucial que o(a) facilitador(a) tenha(m) experiência com processos de coaching/mentoring e mudança organizacional. Especificamente, é essencial que ele ou ela tenha sólido background prático e teórico com cultura organizacional, valores e visões de mundo.
A Figura 2 abaixo mostra o exemplo de uma empresa do setor de autopeças, que aqui vou chamar de ALFA, que precisou implementar o Lean Manufacturing em sua planta fabril para se adequar aos padrões de fornecimento exigido pelas montadoras de automóveis, seus clientes. O “Sistema ALFA de Produção” já havia sido criado há dois anos, e a empresa continuava se baseando em grandes gastos com inspeções ao final do processo e manutenção de elevados níveis de estoques para garantir o nível de qualidade e a frequência de entrega exigidos pelas montadoras. Todas as melhorias significativas implementadas neste período tinham sido conduzidas por consultores, engenheiros e supervisores. Os operadores realizavam o número mínimo de melhorias que lhes era demandado, mas elas raramente tinham algum impacto na melhoria dos índices de qualidade e na redução dos estoques. A empresa já havia perdido um dos seus clientes principais e chegou à conclusão de que precisava ter um Sistema ALFA de Produção realmente “LEAN”!
No caso da ALFA, foram realizados dois workshops iniciais distintos, um com a participação de gerentes, coordenadores e supervisores e outro contando com operadores e líderes de produção. A ideia era não constranger os operadores para que eles pudessem falar abertamente sobre a questão. Após as duas reuniões, foi montado pelo facilitador um mapa de imunidade, que ganhou importantes contribuições ao ser validado pela Diretoria Industrial, ficando exatamente como na Figura 2.
Figura 2: Exemplo de Mapeamento de Imunidade à Mudança em uma Organização. Fonte: Elaborado pelo autor com base em Kegan & Lahey (2009) e Hunt (2009).
Duas coisas podem ser percebidas ao analisarmos o mapa da imunidade da ALFA na figura 2. Primeiro, percebe-se claramente que a cultura da empresa permanece centrada no nível AZUL-laranja ou Expert, com “suaves traços” do nível LARANJA ou Achiever, sendo este nível de consciência prevalente no nível gerencial e diretivo e praticamente ausente no nível operacional . Implementar um programa baseado em autonomia e resultados de melhoria no nível operacional exige renunciar ao controle típico da mente Socializada, ou seja, exige a prevalência da mente Autoral em gerentes e supervisores. Além disso, percebe-se que os operadores operam predominantemente a partir do nível AZUL ou Conformist, o que é compatível com o foco em cumprir padrões, mas incompatível com a busca de melhorias contínuas reais. Não foi por acaso que os esforços de dois anos da ALFA em envolver seus operadores na execução de melhorias de processos falharam. O desafio em questão vem de longa data (é persistente, primeira condição de um desafio perfeito) e exige formas de pensar que não estão disponíveis, tanto no nível gerencial e de staff quanto no nível operacional (a segunda condição do desafio perfeito). Mas agora, com a iminência de perder os seus clientes (relevância estratégica, a terceira condição) e o apoio da Direção e da gerência ao longo do processo, vencer este desafio tem tudo para levar a empresa para outro patamar em termos de desempenho operacional. E então vem a pergunta do leitor: “Como fazer isso?” A resposta vem no último artigo da minha trilogia: Implementando a Mudança.